terça-feira, 27 de novembro de 2007

AINDA CONTINUAMOS POR NOSSA CONTA!

Publicado no site AFROPRESS. Para ler direto do site clique aqui.




Neide Aparecida Fonseca
Diretora da Contraf-CUT e Presidenta da Uni Américas Mulheres



Por: Neide Aparecida Fonseca - 20/11/2007

Existiu uma história de resistência, organização e negociação de trabalhadores (as) nas malhas do sistema muito antes de existir organização sindical no Brasil.

Ao contrário do que contam muitos historiadores a serviço do sistema, os (as) trabalhadores (as) negros (as) tiveram formas de organização e resistência no sistema de produção escravagista. As formas de Organização e Resistência eram de duas modalidades: Conturbada e/ou Silenciosa.
A forma Conturbada previa: Rebeliões coletivas organizando-se em Quilombos; Fugas individuais; Matança dos escravizadores; Destruição dos instrumentos de trabalho; Suicídio individual ou coletivo; Abortos; Insurreições; Fugas com objetivo de assustar e marcar espaço de negociação no conflito.
A forma Silenciosa consistia em: manipular o medo senhorial para obter algumas concessões; Brecha Camponesa.
Brecha Camponesa se dava quando os escravizados através de negociação conseguiam o usufruto de um pedaço de terra para sua subsistência com folga semanal para cultivá-la e às vezes o direito de vender algum excedente da produção. Isso representava, para os escravizados (as), certa autonomia; representava mais do que sobreviver por terem uma margem de economia própria dentro do sistema escravagista.
Obviamente o sistema também tinha suas vantagens tais como: redução dos custos na manutenção da escravaria; mecanismo de controle social, pois mantinha a ordem.
Contudo havia um limite na negociação da “brecha camponesa”. Era a greve. Em relação a isso podemos citar dois exemplos:
Ano de 1789 – Fazenda Santana – Ilhéus trabalhadores escravizados fazem uma greve que dura 02 anos, cuja pauta de reivindicação era:



1. Redução da Jornada e Melhores Condições de Trabalho;
2. Controle das Ferramentas do Engenho;
3. Terreno para plantar suas hortas;
4. Um barco para facilitar a venda em Salvador do excedente de suas plantações;
5. A indicação de nome para Feitor teria de ser aprovado por eles;
6. Sexta-feira e Sábado livres, tirando um desses dias por causa do dia Santo.



Em 1861, na Região do ABC, na Fazenda São Caetano, houve uma greve de escravizados, dos beneditinos, que se recusaram a continuar trabalhando na fábrica de louça e cerâmica que ali existia desde 1730. Queriam terra para trabalhar na lavoura em vez do trabalho industrial. Em conseqüência desse movimento, a Ordem de São Bento reviu radicalmente sua relação com o escravismo criando um modelo de abolição gradativa que culminaria com a libertação de seus mais de quatro mil escravos em todo o Brasil, em 1871.
Podemos ainda citar a Conjuração Bahiana ou Revolta dos Alfaiates, ocorrida em 12/08/1798, quando negros e mestiços libertos se rebelaram. Ou ainda quando em janeiro de 1835, africanos de diversas nações, principalmente os Háussas, promoveram uma insurreição, em que planejavam expulsar ou matar todos os brancos da cidade de Salvador.
Se durante o período escravagista a luta foi árdua, não menos se dá no período pós-escravagista, estávamos por nossa conta, embora em 1905 já havia sido criado a primeira Central Operária do país – Federação Operária de São Paulo.
Nossos ancestrais percebem que só através da educação poderíamos sair do processo de marginalidade que a sociedade industrial nascente nos jogou. Deste modo, demonstrando capacidade, perenidade, longevidade organizativa, estrategicamente através da Irmandade Nossa Sra do Rosário dos Homens Pretos inauguraram uma Escola para crianças negras com objetivo de através da educação, garantir espaço para as futuras gerações na sociedade que os rejeitava.
Alijados do novo modelo de país os ex-escravizados que construíram o Brasil, se viram substituídos no mercado de trabalho por mais de 3.400 milhões de imigrantes que vieram para o Brasil, e trouxeram para cá suas formas de organização e luta por melhores condições de vida. A maioria era anarquista.
Surgem os embriões de sindicatos: Organização de Ligas Operárias que lutavam por melhores salários e redução da jornada de trabalho; Organização de Liga Operária de Socorros Mútuos com fim assistencial; Ligas de Resistência com várias filiais, como por exemplo, a Liga de Resistência das Costureiras; União dos Trabalhadores em Fábricas de Tecido; União dos Empregados do Comércio.
Contudo, essas organizações e nem posteriormente com a criação de sindicatos, em 1903, que desde seu início sustentavam princípios humanitários e de solidariedade, não incorporaram a luta contra a discriminação dos trabalhadores (as) negros (as). Negros e negras continuavam por sua conta.
Em 1906, 18 anos após o fim legal da escravidão, aconteceu o I Congresso Operário Brasileiro que fundou a COB – Confederação Operária Brasileira. Na pauta nem uma linha sobre a questão negra.
Um dos poucos espaços de trabalho formal para os negros era a Marinha, que mantinha uma relação de escravização com os trabalhadores. Em 1910, 22 anos depois de abolida a escravidão, aconteceu a Revolta da Chibata. Na pauta de Reivindicação: 1. Fim dos castigos corporais; 2. Aumento do Soldo; 3. Troca de Oficiais; 4. Educação dos Marinheiros; 5. Transparência na Tabela de Serviços diários.
Se na Idade Moderna o capitalismo estabeleceu o tráfico negreiro e a conseqüente escravização, como meio de aumentar a produção e os lucros, ligando o tráfico ao capital comercial, em meados do século XIX com o início da implementação do programa liberal e consolidação do capitalismo, o conceito de mercado muda, adquirindo prestígio e valor. Neste sentido, o trabalho escravo torna-se um obstáculo aos interesses da Europa que decretou, então, o fim do tráfico transatlântico de escravos, pois para o consumo de mercadorias era necessário o trabalho assalariado.
O Brasil conviveu com dois tipos de trabalhadores: os livres e os escravizados. Esse fato dificultou a valorização do trabalho, sua diversificação e expansão, o que preocupou as elites brasileiras, porque o país precisava se modernizar entrar na era da industrialização. As preocupações das nossas elites eram então de duas ordens: 1ª.) Quem formaria a mão-de-obra pós-escravidão; 2ª.) Como modificar a composição racial, uma vez que os negros passavam de um pouco mais da metade da população, em algumas províncias, como São Paulo, por exemplo. Raça tornou-se um ponto central das discussões em relação ao futuro do país. Era preciso resolver as duas questões unificadamente. Discursos inflamados eram feitos nas casas legislativas em prol da europeização do Brasil. Neste sentido, a estratégia pensada e executada meticulosamente foi o Projeto de Branqueamento, executado com base em três pilares: Miscigenação; Política migratória; Apartação da população negra do processo de modernização da Nação.
Inteligência, força física, disciplina, higiene, organização, eram alguns dos atributos utilizados para selecionar as raças formadoras do mercado de trabalho. Esses atributos racializados contribuíram para definir o lugar e o papel de cada um no mundo civilizado. Destes atributos os negros possuíam apenas a força física, segundo o pensamento dominante.
Ao mesmo tempo, o sistema instituiu a ideologia da vadiagem como mecanismo de repressão policial em relação aos negros, transformando a falta de ocupação em opção para vadiar, não trabalhar. Dois estereótipos ficaram marcados na população negra, e que se perpetua no tempo, sendo utilizados formal ou informalmente na estrutura das empresas para selecionar, promover, desempregar: a) negros são incapazes, inábeis para o trabalho superior; b) negros são moralmente inaptos, uma vez que gostam de vadiar.
As desigualdades raciais perduram até hoje, os dados de institutos respeitáveis confirmam isso ano após ano. Atualmente, essas desigualdades contemporâneas são explicadas pela somatória do processo escravagista com os novos mecanismos que são criados e recriados cotidianamente.
No Brasil, as pessoas negam o racismo, embora a suas conseqüências sejam visíveis na estrutura social. A cada ano, em datas específicas, admiradas comentam os dados das desigualdades raciais, como se falassem de um país que não fosse o seu. Ninguém tem nada haver com isso.
Empresários utilizam da Responsabilidade Social e fazem programas de Diversidade, que não chegam a lugar algum, pois se formos fazer uma Auditoria da Diversidade veremos que as coisas permanecem no mesmo lugar.
O movimento sindical de qualquer corrente ou Central, embora tenham colocado na sua pauta essa questão, ela não é prioridade. Ainda não há uma compreensão de que enquanto as desigualdades de raça e gênero perdurarem não poderá haver uma sociedade melhor, mais solidária, mais equilibrada.
Deste modo, nos negros e negras, em pleno século XXI, embora a solidariedade de muitos, em verdade ainda continuamos por nossa conta, porque só quem sente sabe. Porém, como nossos ancestrais, não desistimos nunca. Elevar Zumbi a categoria de herói nacional e conquistar feriados em vários locais, entre outras conquistas, é uma amostra da nossa resistência.
Nossa herança quilombola nos fortaleça e nos impulsiona. Em contraposição ao 13 de maio, colocamos no calendário nacional o 20 de novembro como o “Dia da Consciência Negra”, representando não só a luta de nossos ancestrais como também a nossa, por uma vida digna, por reparações, por políticas públicas para quem durante anos, com seu trabalho gratuito construiu essa Nação. Viva Zumbi! Viva Dandara!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.