Abaixo um artigo publicado no site viva favela sobre regulamentação do primeiro quilombo urbano reconhecido no Brasil. Artigo bem escrito e não comprometido com a imprensa elitista. Para ir para o site clique no titúlo abaixo.
Antes tarde do que nunca
Fabiana Oliveira*
07/12/2004
No dia 4 de outubro de 2004, o Quilombo da Lagoa recebeu de representantes do ministério da Cultura os títulos de Comunidade Remanescente de Quilombo e um outro inédito: o de primeiro quilombo urbano do Brasil.
Localizado na Ladeira do Sacopã, na Lagoa, numa área de 18.000 metros quadrados, com 5 casas que abrigam aproximadamente 30 pessoas, os remanescentes passaram por muitas dificuldades até conseguirem o reconhecimento.
A luta na Justiça contra a especulação imobiliária vem desde a década de 80, com os quilombolas sendo difamados na região. Além disso, diversas vezes, a especulação imobiliária, respaldada pela lei, trancou as casas com correntes impedindo os moradores de terem acesso a elas.
Seguindo a tradição familiar de servir comida caseira aos trabalhadores, teve época em que as mulheres candaces do quilombo tinham que cozinhar escondidas na mata, para não serem vistas, e assim, ajudarem a garantir o sustento da comunidade.
A alegria e a receptividade do povo negro e a aptidão musical de Tia Nenén, atual primeira soprano da Igreja de Nossa Senhora Margarida e nascida no quilombo da Lagoa, ajudaram bastante nessa luta, atraindo vários aliados à causa, tais como Beth Carvalho, Hans Donner e sua esposa Valéria Valença, entre outros conhecidos sambistas.
Atualmente, a preocupação de Tia Nenén é preservar a história do quilombo. Pouco se sabe, pois, segundo ela, seus pais embora não sendo escravos, não gostavam muito de falar sobre o passado da comunidade; preferiram não passar aos filhos os sofrimentos dos dias de escravidão.
Desse pouco, restou uma vaga história de que o quilombo teria originado de uma gruta, existente até hoje, onde os negros fugidos das fazendas de café da Lagoa escondiam-se. Outra versão é que ali teria sido a sede da própria fazenda e por falta de descendentes, pois a última mulher que se intitulava dona das terras morreu há muitos anos, a propriedade acabou por ficar em mãos dos ex-cativos.
Independentemente de não saber a origem do quilombo, o que Tia Nenén lembra, e muito bem, é que quando criança, passeando pela mata da propriedade, viu um tronco com uma corrente. Questionando ao pai sobre o que era, foi repreendida e orientada a não mais se aproximar do local. No outro dia o pai havia cortado o tronco.
Outros fatos bem guardados na lembrança foram a abertura da Ladeira do Sacopã com pólvora, quando ela tinha somente seis anos; a nascente que irrigava a comunidade, extinta com a construção de uma chácara pelo Senador Dantas, que acabou por represar a água fresquinha da montanha, obrigando os moradores a consumirem água encanada; e o conhecimento, há 5 anos, da Fundação Cultural Palmares, que mostrou que ali era uma comunidade remanescente de quilombo e que seus moradores tinham direito a receber o título.
Embora o modo de vida não seja mais como o de seus antepassados, considerando que ali é um quilombo urbano, é inegável que o local realmente é uma comunidade remanescente, não só pelos vestígios, mas também pela magia que inunda aquele lugar, fazendo com que revivamos anos de luta, de existência e resistência do povo negro!
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.