terça-feira, 22 de julho de 2008

VESTIBULAR INDÍGENA - DA ALDEIA PARA A UNIVERSIDADE

Retirado do site do jornal Gazeta do Povo.


Terça-feira, 22/07/2008
Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Hilário faz Biologia na UFPR, quer usar o conhecimento na aldeia e nota muitas diferenças entre seu modo de vida e o cotidiano dos outros colegas.


Processo seletivo especial usa vagas extras em instituições públicas do Paraná; alunos pretendem usar o conhecimento para ajudar as comunidades das quais vieramPublicado em 21/07/2008 Sandra Volf

Moisés da Silva Caingangue, 26 anos, está no segundo ano de Odontologia na UFPR. O índio saiu da sua terra, a aldeia Bananeiras, em Nonoai (RS), para estudar em Curitiba. “No começo foi difícil, é bastante diferente a vida na cidade, levei um tempo até me adaptar, principalmente na faculdade e com matérias como Bioquímica”, relata o universitário, que sempre morou em aldeia.
Moisés é um dos estudantes que entrou na UFPR pelo vestibular indígena realizado no Paraná, seleção que, ao contrário do sistema de cotas, oferta vagas suplementares disputadas exclusivamente entre candidatos índios, muitos dos quais usam o português como segunda língua. Moisés, por exemplo, optou pela prova de língua estrangeira em caingangue. Sobre a convivência com os alunos de classe, ele comenta: “alguns colegas deixam a gente de lado, já outros me procuram para saber como é a vida na aldeia.”

Seguindo o mesmo caminho de Moisés, Hilário Vergueiro, 28 anos, também é gaúcho e caingangue; no segundo ano de Biologia, ele conta que está com dificuldades no curso. “Estou me batendo em Química e Cálculo”, diz. Hilário sempre sonhou em ser universitário. Ele destaca a importância de o estudo ser empregado na sua terra. “Para nós, que somos indígenas, o estudo é importante para trabalharmos dentro da aldeia. Com algum projeto voltado para o meio ambiente podemos desenvolver um herbário, ou algo que traga sustentabilidade para a nossa comunidade”, diz.
Em relação aos colegas de classe, Hilário não tem do que reclamar. “Os colegas são ótimos, são excelentes, só tenho amigos”, diz entusiasmado. “Algumas curiosidades eles têm, perguntam como é na aldeia, se ainda tem oca, se tem rituais. Eu explico que muita coisa mudou e que a aldeia está evoluindo”, emenda. No começo do curso, Hilário morou em pensões. “Foi difícil. O branco tem um jeito diferente do nosso, a amizade, a forma como vive. Dentro da comunidade é bem melhor”, afirma o estudante, que atualmente mora na aldeia indígena do Cambuí, em Curitiba.
A Comissão Universidade para os Índios (Cuia) regulamenta todo o processo, além de monitorar os índios que já estão na universidade. “Fazemos acompanhamento do estudante tanto na adaptação pedagógica quanto social”, afirma Cristiane Ribeiro da Silva, membro da comissão que acompanha os estudantes indígenas da UFPR.
Por serem próximas das maiores aldeias do estado, a UEL, a UEM e a Unicentro, em Guarapuava, são as instituições mais procuradas. Já a UEPG, por estar mais afastada das aldeias, é a que tem menos procura. “No ano passado, tivemos 5 candidatos para 6 vagas. Atualmente temos 12 alunos matriculados”, afirma Tadeu Dolinski, responsável pela Cuia na UEPG, que formou apenas uma aluna desde a criação desse vestibular. Os cursos mais concorridos são da área da saúde e, na UFPR, só Odontologia tem quatro alunos matriculados. Já a UEL formou dois estudantes em Medicina Veterinária e Odontologia. Em comum, o desejo de ajudar a comunidade: todos eles voltaram para a aldeia para pôr em prática o conhecimento adquirido na universidade.


Funciona
O vestibular indígena usa vagas extras nas universidades públicas do Paraná. São seis por universidade estadual, e sete na UFPR
- O processo seletivo é unificado, com um rodízio entre a UFPR e as estaduais para organizar a prova. Este ano o vestibular será realizado pela UEL.
- O candidato precisa apresentar declaração da Funai. Quem quer fazer universidade estadual também deve apresentar autorização assinada pelo cacique.
- Para concorrer à UFPR basta ser índio, de qualquer etnia; já para as universidades estaduais, é preciso pertencer às etnias do estado: guarani, caingangue e xetá.
- Só depois do vestibular, se for classificado, o candidato escolhe o curso que irá fazer.
- Os alunos matriculados ganham bolsas que variam de R$ 400 a R$ 800 mensais.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.