sábado, 28 de novembro de 2009

PERCEPÇÕES E EVIDÊNCIAS GENÉTICAS SOBRE ANCESTRALIDADE

Retirado do site Informe Ensp. Mais do mesmo. Uma coisa é a percepção outra são os genes. A pesquisa e a demostração da análise dos genomas não invalida a percepção histórica das pessoas. Além disso não podemos esquecer que a mestiçagem brasileira, europeus/african@s e europeus/indigen@s durante pelo menos 350 anos foi feita a partir de estrupos recorrentes.

ENSP, publicada em 26/11/2009

A revista americana Current Anthropology (vol. 50, nº 6, 2009) acaba de publicar um artigo sobre estudo multidisciplinar de sete pesquisadores - três deles da Fiocruz - sobre percepção de cor e raça no Brasil e suas relações com ancestralidade. O estudo inédito, financiado pelo CNPq, compara as percepções de um grupo de jovens estudantes de Nilópolis, município da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, em relação à sua cor, de acordo com a classificação do IBGE (branca, preta e parda), com informações genéticas. Os testes de DNA mostraram que os que se definiram como pretos ou pardos têm mais genes europeus do que imaginavam.
Dentre os autores do estudo, o antropólogo Ricardo Ventura Santos (ENSP/Fiocruz), enfatiza que o conceito de raça biologicamente é superado, mas ainda tem impacto relevante sobre a dinâmica social. Segundo ele, compreender as relações entre percepções culturais sobre cor/ raça e ancestralidade e as evidências genéticas é algo fundamental no presente, quando há enorme expansão das tecnologias genômicas, com grandes impactos sobre a sociedade
Abaixo, o artigo publicado pelo jornalista Kevin Stacey, da Universidade de Chicago, traduzido e adaptado por Ruth Martins, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), resume a pesquisa, cujo artigo original, em inglês, pode ser acessado no anexo.

Revista norte-americana publica estudo multidisciplinar brasileiro sobre autodefinição de cor e genética

Um novo estudo compara as percepções pessoais de cor/raça e ancestralidade de um grupo de jovens do Rio de Janeiro. O objetivo da pesquisa multidisciplinar foi investigar as complementariedades e tensões entre as noções culturais e genéticas relacionadas com questões de cor e raça. Patrocinada pelo CNPq, a investigação incorpora abordagens da genética e da antropologia, que estabelecem um importante diálogo entre esses campos disciplinares.
A edição de dezembro da Current Anthropology (vol. 50, nº 6, 2009) traz um artigo de sete pesquisadores brasileiros, três deles da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): o sociólogo Marcos Chor Maio, da Casa de Oswaldo Cruz, os antropólogos Ricardo Ventura Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública, e Simone Monteiro, do Instituto Oswaldo Cruz, realizaram a pesquisa com os antropólogos Peter Fry, da UFRJ, José Carlos Rodrigues, da PUC-Rio, e dos geneticistas Luciana Bastos-Rodrigues e Sergio Pena, da UFMG. "Nas últimas décadas, biólogos, especialmente os geneticistas, têm afirmado repetidamente que a noção de raça não se aplica à espécie humana," escrevem os autores. "Por outro lado", sustentam, "cientistas sociais afirmam que o conceito de 'raça' é altamente significativo em termos culturais, históricos e socioeconômicos". Por quê? "Porque molda o cotidiano das relações sociais e é um poderoso motivador para os movimentos sociais e políticos com base em recortes raciais."
Atualmente, as questões relacionadas à temática da raça, suas concepções científicas e culturais despertam muitos debates em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os brasileiros se orgulham de sua ascendência miscigenada, fruto da relação histórica entre europeus, africanos e ameríndios. No entanto, nos últimos anos, as desigualdades raciais têm estimulado o surgimento de propostas de políticas que despertam controvérsias, como as cotas raciais para empregos em órgãos do governo e vagas para estudantes nas universidades públicas. "Ao mesmo tempo," destacam os autores, "os resultados dos estudos no campo da genética, que enfatizam a ampla miscigenação da população brasileira, têm sido divulgados nos meios de comunicação (...), e têm desempenhado um papel importante nos debates sobre a implementação de políticas públicas baseadas em raça".
Nesse contexto, os cientistas sociais e geneticistas autores do trabalho fizeram uma pesquisa com adolescentes de uma escola técnica de ensino médio (Cefet-Química) situada em Nilópolis, na baixada fluminense, periferia do Rio de Janeiro. Em um primeiro momento da pesquisa, os alunos responderam a uma série de perguntas sobre características socioeconômicas e sobre pertencimento à cor/raça, seguindo-se a classificação do IBGE. Também foram captadas informações sobre as percepções de ancestralidade. Ainda no âmbito do estudo, os alunos forneceram amostras biológicas, a partir das quais foram realizados testes de ancestralidade genômica, com base na análise do DNA nuclear, na UFMG. Na etapa final da pesquisa, os dados de percepção de ancestralidade e dos testes genômicos foram debatidos pelos estudantes no contexto de grupos de discussão.
"Os resultados dos testes de ancestralidade genômica são bastante diferentes das estimativas de ascendência percebidas", relatam os investigadores. Em geral, os resultados dos testes genéticos mostraram que os alunos têm ascendência europeia bem mais expressiva do que pensavam.
Os estudantes que se classificaram como "pretos", por exemplo, relataram, em média, ascendência africana de 63%; ameríndia de 20% e 17% europeia. Os testes de DNA mostraram resultados bem diferentes: a ascendência europeia domina. A média é de 52% de ancestralidade europeia; 41% africana e 7% ameríndias.
Os alunos que se autoclassificaram como "pardos" referiram que teriam aproximadamente os mesmos índices de ancestralidade europeia, africana e ameríndia. O teste de ancestralidade genômica trouxe, de novo, resultados com índices mais "europeizantes": mais de 80% em média.
Os estudantes "brancos", que se percebiam como portadores de substancial ascendência africana e ameríndia, se defrontaram com resultados de testes genéticos que, na realidade, evidenciaram pouquíssima ancestralidade tanto africana como ameríndia.
As reações dos estudantes, diante dos resultados, foram variadas. "Os alunos que se classificaram como 'brancos' em geral declararam-se decepcionados com os baixos percentuais para as categorias africana e ameríndia a partir dos testes de ancestralidade genômica", escrevem os autores. Outros ficaram "desconcertados" quando verificaram que os resultados de seus testes genéticos mostraram alta ascendência europeia.
Alguns inclusive colocaram em um segundo plano a importância da evidência biológica. "Apesar da elevada percentagem de ancestralidade genômica europeia, não vou deixar de ser negro nunca!", disse uma estudante. Outro aluno recebeu a notícia com humor: "Uma menina, que havia se classificado como 'parda', falou sobre o desejo de ser bailarina, mas, segundo ela, o processo de admissão das companhias de balé, especialmente o balé clássico, favorece as meninas brancas", destacam os autores. "Em tom de brincadeira, ela disse que, no próximo teste de admissão, ela vai dançar com os resultados da análise genômica colados à testa, para comprovar sua ascendência predominantemente europeia."
Alguns estudantes levantaram temas relacionados com políticas públicas de recorte racial. "A minha ancestralidade genômica é 96% europeia, 1% ameríndia e 3% africana", disse um aluno. "Acho que a única coisa que muda é que eu não tenho mais a chance de conseguir a cota", ironizou.
"Neste estudo", escrevem os autores, "ressaltamos a importância de se melhor compreender as complexas formas de como as informações genéticas são interpretadas pelo público leigo". Os autores também discutem seus achados à luz das políticas públicas relacionadas às questões raciais, visando promover a inclusão social. Outro aspecto destacado pela equipe interdisciplinar de pesquisadores é quanto à necessidade de um maior diálogo entre as ciências biológicas (genética, em especial) e as ciências humanas em torno de complexos temas como cor, raça e ancestralidade.
Current Anthropology é dedicada à divulgação de pesquisas no campo da antropologia. A revista é publicada pela Editora da Universidade de Chicago (
http://www.journals.uchicago.edu/toc/ca/current).
O artigo de Ricardo Ventura Santos e colaboradores, cujo título é "Color, race and genomic ancestry in Brazil: Dialogues between anthropology and genetics" ("Cor, raça e ancestralidade no Brasil: Diálogos entre antropologia e genética"), pode ser acessado em http://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/644532 .
(Imagem de capa:
http://www.casadajuventude.org.br)

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.