quinta-feira, 12 de junho de 2008

OBAMA, SUA ÉPOCA E O SONHO

Recebido por email e divulgando este texto maravilhoso do multifacetado Nei Lopes.

Nei Lopes

Contrariando expectativas que já duram mais de cem anos, no Brasil, “país com a maior população afro-descendente fora da África”, “negros e pardos vão superar o número de brancos neste ano” de 2008, conforme afirmações textuais do jornalista Ivan Martins, em reportagem publicada na edição do último 9 de junho da revista Época, publicação semanal da Editora Globo. As afirmações, acompanhadas da constatação de que o país “não tem um único político negro de projeção nacional”, vem a propósito da candidatura do senador Barack Obama à presidência dos Estados Unidos.
No momento em que o Congresso Nacional prepara a votação do Estatuto da Igualdade Racial e um grupo de intelectuais e artistas lidera a corrente contrária à aprovação do texto, colocando-se contra a “grave ameaça” de secessão da sociedade brasileira em “negros” (pretos e pardos) e “brancos” (louros e “morenos”), como se essa divisão, em termos de poder e capital, já não fosse a grande característica desta sociedade. Invocam, agora, esses arautos da “desracialização”, no calor da discussão sobre o problema social brasileiro, o suposto exemplo de Obama, o qual, em pura retórica de campanha, afirmou num discurso que “não existe uma América branca, uma negra, uma asiática, uma hispânica: e sim os Estados Unidos da América”. E os “desracializadores” invocam o candidato americano, nos apontando o dedo, como se dissessem: “Estão vendo? Ele não exibe a cor da pele como uma arma ou um escudo!”.
Para nós seria realmente ótimo se o Brasil fosse esse paraíso mestiço que os não-racialistas apregoam. Se além dos mulatos “no sentido lato”, como diz a canção, também aqueles no sentido estrito (com a indisfarçável fenotipia dos majoritariamente afro-descendentes) , como o autor destas linhas se vê e considera, tivessem as possibilidades de poder e influência que tem o afro-americano Barack Obama. Mas esta, infelizmente, não é a nossa realidade.
Atrasados em pelo menos cinqüenta anos com relação às conquistas sociais do povo negro nos Estados Unidos, no Brasil, nós, herdeiros do mesmo brutal despojamento que plasmou a sociedade norte-americana (e do qual Obama, esclareça-se, não é vítima direta) vimos sendo, há mais de 120 anos forçados a acreditar que neste país “alegremente mestiço e desracializado”, nunca houve segregação nem ku-klux-klan, e que nossa inferioridade deve-se apenas a problemas econômicos e pode ser zerada com boas escolas e boas merendas para todos.
Mas aí, vem o jornalista Ivan Martins, da Época, e, depois de dar a palavra ao idealizador e diretor da paulista Universidade Zumbi dos Palmares, “gerida por negros, subsidiada e voltada para as classes mais pobres”, pergunta, na reportagem mencionada: “Quanto tempo, porém, será necessário para que se produza um líder como Obama no Brasil?”.
Enquanto isso não ocorre, meu amigo Martinho da Vila segue cantando seus belos sambas-enredo. Principalmente, o “Sonho de um sonho”, com que sua escola chegou em segundo lugar (empatada com mais duas) no disputado carnaval de 1980.

Nei Lopes é compositor e escritor, filiado à U.B.E.

Um comentário:

  1. Olá !

    Eu concordo com quase tudo o que o Nei Lopes disse. Gostaria, apenas, de fazer algumas ressalvas.

    É evidente que existe a discriminação por motivações raciais, mas parece-me evidente que nosso processo histórico é diferente do estadunidense. Isto não significa que o governo não possa ter políticas públicas específicas para as populações afro-descendentes e ameríndias.
    Mas, creio que nosso país é diferente dos E.U.A, da mesma forma que a África do Sul ou Cuba também o são.
    Nosso país é multirracial e mestiço sim. Isto de forma alguma deve ser usado para negar uma realidade evidente, porém não podemos estigmatizar aquilo que é mais essencial em nosso país.
    A polêmica das cotas tem como causa uma falha de comunicação dos grupos que a defendem com a sociedade. Embora, a maioria já tenha ouvido falar alguma coisa sobre isso, é a minoria que tem uma opinião formada a respeito.
    E não adianta rotular essa maioria que ignora o assunto como "ignorantes", pois vivemos numa democracia, portanto as coisas devem ser discutidas com o maior número de pessoas possível para depois serem tomadas as decisões mais adequadas.

    Um abraço !

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.