domingo, 29 de novembro de 2009

MEMÓRIANOS SILÊNCIOS DA HISTÓRIA DIVULGAÇÃO

Retirado do site Clicbrs.

29 de novembro de 2009. N° 600
NA SEMANA CONSCIÊNCIA NEGRA EM JOINVILLE, UM DOS GRANDES MOMENTOS RESGATOU VOZES QUE FORAM SILENCIADAS PELO TEMPO

Já nas primeiras décadas do século 20, o filósofo alemão Walter Benjamin lançou-nos uma indagação que, ainda hoje, ecoa de maneira perturbadora: “Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram?” Refletindo a respeito das possibilidades de escrever sobre o passado, este pensador nos instigou a investigar memórias esquecidas, silenciadas, reprimidas e ocultadas pelas narrativas oficiais. Afinal, diferentemente daqueles “grandes homens” (e digo homens por reconhecer, ainda, uma predominância masculinista nas narrativas sobre o passado), os personagens comuns da história, cujos nomes raramente foram lembrados publicamente, não deixaram muitos registros de suas trajetórias. Os vestígios de tempos pretéritos, ao menos que sejam lidos “a contrapelo”, como sugeriu Walter Benjamin, poucos sinais nos deixam sobre vivências marginalizadas. Neste sentido, é preciso fazer uma leitura pelas “entrelinhas” das fontes sobre o passado que nos foram legadas na tentativa de encontrar indícios e evidências, mesmo que sutis, que nos auxiliem na busca pela visibilidade de histórias e memórias ainda silenciadas.
Ao refletirmos sobre as leituras do passado de Joinville, podemos perceber uma inquietante ausência de referências sobre a presença de afrodescendentes. À exceção de algumas breves e residuais menções de historiadores consagrados da cidade a respeito de negros escravizados no processo colonizador e de poucos trabalhos historiográficos recentes, pouco se falou sobre a presença de afro-brasileiros entre os imigrantes.
Saber sobre as formas de vida para as quais não existiam registros, saber como encarar sua existência diante das modificações tão rápidas em curso, buscar as relações entre as pessoas são algumas questões já presentes nas ações afirmativas destas políticas públicas.
Diante destes silenciamentos e esquecimentos deliberados, é importante destacar que a realização, por iniciativa do poder público municipal de Joinville, da 1ª Semana Consciência Negra foi um significativo passo na construção de uma política pública de ação afirmativa em relação às populações afrodescendentes. Com a temática principal “Direito à diferença, igualdade de direitos”, diversos eventos foram organizados para comemorar esta semana especial.
Entre todas essas ações, gostaríamos de destacar um ato simbólico, com o qual estivemos diretamente envolvidos, em que marcamos uma posição política em defesa do direito à afirmação das diferenças culturais vividas em Joinville. Na tarde de 21 de novembro, foi descerrada uma placa afixada na solidez de uma pedra colocada no Cemitério do Imigrante de Joinville, que nomeia 14 afro-brasileiros sepultados neste cemitério de 1862 a 1870.
A partir de uma pesquisa nas anotações manuscritas pelo padre católico Carlos Boegershausen no primeiro volume do “Livro de Assentos de Óbitos Católicos da Freguezia de São Francisco Xavier de Joinville”, localizamos os registros dos sepultamentos católicos realizados no atual Cemitério do Imigrante em um momento que antecedeu a abertura, em 1870, do Cemitério Católico de Joinville. Além de imigrantes europeus e seus descendentes, foram registrados sepultamentos de lusos e afro-brasileiros.
Estes personagens anônimos e emudecidos, cujos locais de sepultamento (provavelmente covas rasas) hoje dificilmente conseguiríamos demarcar com exatidão, foram homenageados com uma lápide simbólica que evidencia a memória da presença de negros entre os brancos que trabalharam na construção de Joinville. Esses homens, mulheres e crianças, que jamais tiveram seus nomes grafados em um monumento fúnebre, hoje são lembrados por nós em um ato de reparação em relação a uma história repleta de preconceitos e racismos. Como refletiu, em carta enviada ao jornal “A Notícia”, a coordenadora do Núcleo de Estudos Negros, Joana Célia dos Passos, “para quem vive ou viveu nessa cidade e conhece a força do pensamento hegemônico local, sabe por que a solenidade foi tão forte para os presentes. O ato representa a quebra de um paradigma”.
Vale destacar a participação de diversos segmentos do movimento negro de Joinville na construção da extensa programação da 1ª Semana Consciência Negra. Envolvidos em várias reuniões em que cada detalhe foi posto em debate, os grupos de afrodescendentes da cidade, a partir de representações oficiais, construíram conosco este momento que ficará marcado para sempre na história de Joinville.
* Diego Finder Machado é mestre em história e trabalha na gerência de patrimônio cultural na Fundação Cultural de Joinville /
diego_finder@yahoo.com.br.
* Elizabete Tamanini é doutora em educação e trabalha na Gerência de Patrimônio Cultural da FCJ/
tamanini@joinvillecultural.sc.gov.br.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.