domingo, 14 de outubro de 2007

AINDA SOBRE O FILME TROPA DE ELITE

O texto abaixo foi retirado do blog eclipso e se quiser ir para o original clique no título.

Para quem quiser ver o filme e participar de um debate com os principais responsáveis por esta obra é só ir no dia 16.10 (terça) no Fórum de ciências e cultura da UFRJ, no Salão Pedro Calmon do Campus da Praia vermelha (Av. Pasteur 250, 2° andar) Urca.

Depois do filme vão estar debatendo: Jósé Padilha (diretor), Luiz Eduardo Soares e Rodrigo Pimentel (autores do livro Elite da tropa), além de André Batista (ator)

por Gustavo de Almeida as 15:01:48

Confesso que ando meio de saco cheio de falar do Tropa de Elite. Não de falar do filme em si, porque é um filmaço, responsável inclusive por metade das frases atuais de mensagem do Microsoft Messenger (MSN) no Brasil. É um tal de “Essa pica agora é do Aspira”, “Zero Meia, me dá a 12 aí” e “Bota na conta do Papa”, que se torna impossível não pensar no filme pelo menos quatro vezes por dia. Mas, enfim, no domingo passado, depois do desagradabilíssimo Fla-Flu, fui ver com minha senhora o Tropa no cinema – do filme na telona, já falei neste post. Mas não falei da experiência antropológica interessante que é ir a um Cinemark da vida, com ar-condicionado e pipoca cara, assistir a favelados tomando porrada de policiais pessimamente pagos e que arriscam suas vidas todos os dias. Com a diferença que dificilmente vemos policiais mal-pagos recebendo apoio de ONGs em suas vidas pessoais.

É a platéia dos bem-resolvidos vendo de longe, com cadeirinha e ar-condicionado, a batalha dos excluídos – o único ponto em que policial e favelado se encontram hoje em dia é no fato de serem pobres (me refiro aos policiais honestos).

E vamos lá: uma fila gigantesca, muito perfume se misturando no ar, uma juventude dourada indo lá admirar os homens de preto. O grito “Caveira” passou a ser um grito quase tão sagrado quanto “Mengo” (nada é tão sagrado quanto o grito “Mengo”). Formam-se na verdade três filas, eu, minha senhora e dois amigos estamos na segunda delas. Conseguimos excelentes lugares. Pipoca de oito reais à mão, água mineral com gás (não bebo mais refrigerantes sob nenhuma hipótese, só se for no Saara e como única alternativa), bolotinhas de Chicabon de R$ 4,50, e lá vamos nós para o Coliseu. Entram os créditos iniciais, parece que vão soltar os leões.

Começa a seqüência de patrocinadores. Petrobrás, BNDES, Claro Celular, Banco do Brasil, etc, etc, etc. No quarto patrocinador, ouve-se um “pô”. No quinto, uma risada. No sexto, algumas risadas. No sétimo patrocinador a aparecer, o cinema todo diz “caraça” ou “quêisso”. No oitavo, risada por tudo quando é canto. Assim é o cinema brasileiro – precisa disso, não tem jeito. Um filme de 10 milhões de dólares precisa de apoio para bancar a produção, e esse apoio não quer mais aparecer lá no fim, quando todo mundo está levantando (menos eu, que aprendi a esperar para ver se alguém faz alguma babaquice depois dos créditos finais).

Ouço um grito de U-hu quando o aspira Neto atira e entra a voz do capitão Nascimento dizendo que o policial no Rio se corrompe, ou se omite, ou vai para a guerra. Um grupo de cinco menininhas de classe média alta dá risadinhas. Uma delas deixou o celular, com uma campainha musical (não sei que música era, algo tipo High School Musical), ligado. “Oi, mãe. Ah, deve acabar umas 11 e meia”. “Shhhh”, fazem todos. O funk pesadão domina a sala. Espectadores continuam entrando com seus kits de pipoca e refrigerante. Meu cachorro-quente de quatro reais está frio.

Na tela, um traficante está dentro de um saco plástico. Não ele todo, só a cabeça. Tiram a cabeça dele, e o capitão Nascimento pergunta: “Cadê o fogueteiro, cara?”. O trafica diz “não sei não senhor”, e o capitão manda:
- Então vai voltar para o saco!

Só que, terrivelmente, tem claque: vários garotões saudáveis e perfumados, de roupas de grife, dizem ao mesmo tempo, “vai voltar pro saco, ehehehehe”. Tropa de Elite virou mesmo o coliseu da platéia. Claro, os traficantes não são lá muito cristãos. Mas o público delira com a fúria de leão (o animal, não o técnico freguês do Flamengo) do Bope. Jabor estava certo: o Bope virou nossa vingança. A da classe média acovardada, oprimida pelo crime, auto-culpada por ter alguma coisa ganha honestamente no meio de um bando de miseráveis – armados até os dentes.
Em seguida, Nascimento solta o “Bota na conta do Papa”, e a platéia acompanha as ordens do policial que executa o bandido: “Vira, vagabundo, vira”. A cena me constrange. E olha que sou franco admirador do Bope, não os culpo por mortes de traficantes durante combate, mas ver execução me constrange. Mas, enfim, a platéia não se constrange mais. Ao que parece, todos ficaram de saco cheio dos crimes bárbaros perpretados no Rio nos últimos anos – repertório que inclui arrastar menino de cinco anos pelo asfalto e serrar mulher ao meio, entre outras barbaridades. O Rio é uma Roma antiga mal-disfarçada. Só falta um cavalo no Senado. Falta?A sessão termina, e os celulares vão sendo religados. “Cara, muito bom o filme, tem que vir ver”, “Oi, mãe, tou saindo”, “Aí, vamos na Nuth” são algumas frases que eu pesco no ambiente. Acabou a sessão – amanhã é segunda-feira e ninguém vai mais pensar na guerra que desce o asfalto a cada dia. Possivelmente, daquela platéia, há quem tenha ido fumar maconha ou cheirar pó.
Este é um texto anti-Tropa de Elite, sim. Mas no sentido de que as platéias que param de ver o filme ao sair do cinema, estas não tomaram consciência da guerra. Quem realmente entender Tropa de Elite terá que tomar conta do próprio território, ajudar o poder instituído que tivermos, defender a lei, brigar pelos direitos. Alguém na platéia quer saber disso? Não?
Vida que segue. Amanhã é segunda-feira, o Baiano está morto, o capitão Nascimento vai continuar ganhando mal, se ferrando com a família e arriscando a vida, o tráfico vai continuar vendendo muito e se armando idem, a guerra vai continuar. Quem sabe não sai em DVD? Todos poderão assistir à guerra com um fondue de chocolate.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.