domingo, 28 de janeiro de 2007

'COTAS ESTÃO ESTIMULANDO O ÓDIO RACIAL'


Segunda-feira, 28 janeiro de 2008

Entrevista Davy Lincoln Rocha: procurador da República

Custo da compensação, para ele, deve ser cobrado da sociedade como um todo e não só de quem se saiu melhor no vestibular

Elder Ogliari, PORTO ALEGRE

O polêmico debate sobre a reserva de vagas da universidade para estudantes negros e egressos do ensino público ganhou um novo ingrediente com a liminar que o procurador da República Davy Lincoln Rocha conseguiu da Justiça Federal para suspender o sistema na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na sexta-feira, e as opiniões fortes que ele vem emitindo desde então. Na ação, Rocha sustentou que as cotas não estão previstas em lei, que a autonomia não dá às universidades o direito de legislar e que a Constituição estabelece a igualdade de direitos.

Em comentários posteriores, ele considerou o sistema de cotas uma hipocrisia que coloca pessoas despreparadas na universidade e propôs que as compensações aos negros e aos pobres sejam pagas por toda a sociedade por meio de bolsas de estudo e não cobradas de estudantes que se saíram melhor no vestibular. Afirmou, ainda, que os cotistas estarão sujeitos ao vexame na faculdade e à discriminação no mercado.

Rocha, de 48 anos, baseia-se na sua experiência para contestar as cotas. Filho de um retirante do Piauí e de uma cabocla catarinense, se considera um “vira-lata racial”. Mas conta que, por esforços próprios, seu pai se formou em Letras e se tornou tradutor da missão naval dos Estados Unidos no Rio, e a mãe saiu do analfabetismo já adulta para se formar em enfermagem. Rocha só estudou em escolas públicas, é formado em Engenharia e Direito e passou em concurso para a procuradoria da República em Santa Catarina em 1998. Nesta entrevista ao Estado, ele insiste em que o mérito deve ser o critério de acesso à academia, que “não é lugar para quem quer, mas para quem tem intelecto para freqüentá-la”.

O que o levou a mover a ação para suspender o acesso por cotas na Federal de Santa Catarina?

Recebi a representação de alunos, analisei, vi que as cotas não estavam previstas em lei. Como a Constituição estabelece a igualdade de direitos, entendi que a universidade não pode reservar vagas para alguns e impedir o acesso de outros candidatos. Há 30% de estudantes que estão sendo retirados por proibição, mesmo tendo notas para ingressar na faculdade. No Rio Grande do Sul, juízes de primeira instância baseiam-se em decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região que reconhecem o estabelecimento de cotas como direito da autonomia universitária para negar liminares a candidatos que perderam vagas para cotistas.

O sr. acredita que a UFSC possa perder o recurso encaminhado à mesma corte?

O TRF da 5ª Região, do Recife, está mantendo liminares favoráveis a candidatos preteridos em Alagoas. Mas admito que dificilmente o TRF4 vá confirmar a liminar.

Nesse caso, o que pretende fazer?

Entrarei com uma ação civil pública pedindo a anulação de um concurso para juiz do TRF 4 que está em andamento e não prevê reserva de vagas para negros, egressos do ensino público e índios e um novo concurso que estabeleça cotas. O tribunal não pode ter uma política para fora e uma para dentro.

No Rio Grande do Sul, juízes de primeira instância baseiam-se em decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região que reconhecem o estabelecimento de cotas como direito da autonomia universitária para negar liminares a candidatos que perderam vagas para cotistas. O sr. acredita que a UFSC possa perder o recurso encaminhado à mesma corte?

O TRF da 5ª Região, do Recife, está mantendo liminares favoráveis a candidatos preteridos em Alagoas. Mas admito que dificilmente o TRF4 vá confirmar a liminar.


Nesse caso, o que pretende fazer?
Entrarei com uma ação civil pública pedindo a anulação de um concurso para juiz do TRF 4 que está em andamento e não prevê reserva de vagas para negros, egressos do ensino público e índios e um novo concurso que estabeleça cotas. O tribunal não pode ter uma política para fora e uma para dentro.


O senhor entende que as cotas não compensam injustiças históricas? Não estabelecem, mesmo que por artifício, a igualdade de direitos?
O resgate deve ser pago por toda a sociedade e não pelos 30% excluídos do processo seletivo para a universidade. A reserva de vagas é caridade com o chapéu dos outros.


Como poderia ser feito o resgate?
Um país que não consegue cumprir a determinação constitucional de prover ensino digno de primeiro e segundo graus não pode se dar ao luxo de ter universidade pública. O ideal é que o ensino fundamental seja público, de boa qualidade, e a universidade seja privada, com bolsas de estudo para alunos carentes, pagas pelo Estado, com dinheiro de todos. Isso socializaria a compensação.


O ensino superior gratuito, ao qual têm mais acesso alunos que puderam dedicar-se aos estudos, quase sempre em bons colégios particulares, não é elitista?
É elitista, sim, e por isso sou contra a universidade pública.


O sr. teria algum elogio ao sistema de cotas? Ou sugere alguma adaptação para que possa se enquadrar na legislação?
Sim. No sistema atual, o Estado poderia identificar já nos primeiros anos as crianças carentes que se destacam e dar bolsas a elas para que estudem em boas escolas particulares e cheguem ao vestibular em condições de passar por mérito.


Na sua opinião, a pretexto de corrigir distorções as cotas acabam criando outras distorções?
A universidade não é lugar para quem quer, mas para quem tem intelecto para freqüentá-la. E a capacidade intelectual não está na raça ou na condição social. O negro e o pobre não são incapazes e não devem ser apequenados pelo paternalismo. O acesso pode ser por um sistema de bolsas que contemple quem tem aptidão e não tem recursos. Do jeito que estão, as reservas condenam cotistas ao vexame na faculdade e à discriminação no mercado. No futuro, poderemos ter pessoas evitando a contratação de serviços de médicos e engenheiros cotistas.


Mais discriminação...
Essa questão das cotas está estimulando o ódio racial. Recebi e-mails com conteúdo muito ofensivo dos dois lados.


Quem é:
Davy Lincoln RochaPassou no concurso para procurador da República em 1998 e assumiu o posto dois anos depois em Santa Catarina. Trabalhou em Joinville atémeados de 2007, quando foi transferido para Florianópolis.
Foi fiscal de rendas do município do Rio por 10 anos e promotor em Minas e no Rio.
Formou-se em Direito e em Engenharia na UERJ.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

FOLHA DIRIGIDA ENTREVISTA RENATO FERREIRA (LPP-UERJ)

Retirado do site do jornal da Folha dirigida

Um remédio temporário para desigualdades históricas

22/01/2008
Natália StrucchiA

dvogado e autor de estudo sobre as políticas afirmativas no Brasil, Renato Ferreira analisa as ações adotadas por universidades como a Uerj, afirma que o país precisa buscar a qualidade dos ensinos fundamental e médio na rede pública e diz que, mais do que incluir, o Estado precisa garantir a permanência dos estudantes beneficiados no ensino superior.
Em 2008, o sistema de cotas completa cinco anos de existência no Brasil. Esta forma de ação afirmativa foi instituída pela primeira vez pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 2003. De acordo com uma pesquisa feita pelo Laboratório de Políticas Públicas da própria instituição, desde então, 54 universidades federais e estaduais já adotaram algum tipo de ação afirmativa. Autor do estudo, o advogado Renato Ferreira explica que a política de cotas têm caráter temporário e foi criada para ajudar na redução das desigualdades entre negros e brancos no ensino superior.
"A melhoria dos ensinos fundamental e médio públicos é importante para todos os pobres e também para o negro. Não queremos sistema de cotas ‘ad eternum’. Ele se sustenta também por conta da emergência, da necessidade de promoção da diversidade. Cota não foi criada para durar para sempre. A efetivação das políticas ditas universais levam tempo, temos que lutar por elas, mas também temos que pensar nos excluídos de hoje para que não condenemos várias gerações a ficarem sem acesso ao ensino superior", defende.
O pesquisador ainda faz críticas às instituições que estão optando por conceder benefícios sociais em detrimento à questão racial. "Algumas universidades estão adotando o critério social achando que desta forma estarão reduzindo, de modo significativo, as desigualdades entre negros e brancos. Isto é uma falsa questão e se configura num retrocesso. Estão dando uma aplicação errada ao conceito de uma política de ação afirmativa, que tem o objetivo de promover a igualdade, sobretudo, étnico-racial. No caso do ensino superior, esta promoção tem na diversidade uma das grandes vantagens para todas as pessoas, não só para os negros".

Quantas universidades do país adotam algum tipo de ação afirmativa?
Renato Ferreira - Minha pesquisa analisa o ensino superior público. Não analisei ainda os dados do Programa Universidade para Todos (ProUni), que também institui uma ação afirmativa junto às universidades privadas que aderirem a este programa. Em todo o país, 54 universidades, entre federais, estaduais e municipais, já adotaram algum tipo de ação afirmativa, sendo que 33 delas adotam para negros. No Brasil, as primeiras universidades a adotarem uma ação afirmativa, na forma de um sistema de cotas, foram a Uerj e a Uenf, por conta de uma lei estadual, há cinco anos. Desde então, outras 52 instituições já criaram algum tipo de ação afirmativa.

Em que consiste uma ação afirmativa?
Ação afirmativa é uma política de promoção de direitos de um grupo historicamente excluído. No caso da educação superior, todas as pesquisas de órgãos oficiais abalizados mostram a diferença de acesso à universidade entre brancos e negros. No Brasil, há ainda uma tradição de que só a elite tem acesso ao ensino superior público, sobretudo, nos cursos de maior demanda. Sempre pensou-se em educar poucas pessoas no ensino superior público, que é tido como o mais conceituado. A demanda de estudantes é grande e o número de universidades públicas, por uma série de razões, inclusive devido à instituição de políticas neoliberais na educação, não acompanha esse crescimento. O número de estudantes cursando universidade é muito baixo. Os dados do Ministério da Educação (MEC) constatam que apenas 10,5% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no ensino superior. Nesta estatística, o número de negros e indígenas é ínfimo. Isso ocorre devido ao desenvolvimento de uma educação elitista que funciona como espécie de filtro de talentos humanos, cristalizando discriminações estruturadas historicamente. Para explicar melhor o conceito de uma ação afirmativa, usarei o exemplo da política cotas de gênero nas candidaturas dos partidos políticos. Os partidos são obrigados a ter, pelo menos, 30% de mulheres entre o total de candidatos, isso porque elas têm, reconhecidamente, um histórico de discriminação e só puderam votar e serem votadas muito tardiamente no Brasil.

Muitos integrantes da área educacional defendem a utilização das cotas sociais ao invés das raciais. O senhor acredita que as cotas sociais já são suficientes para inclusão dos negros?

Existem razões históricas para as desigualdades raciais no Brasil, que remontam, sobretudo, à ausência de adoção de políticas públicas para os descendentes de escravos. As estatísticas apontam que, dentre os pobres, o negro ainda é o mais pobre. Por isso, ações que queiram promover direitos, sem também levar em conta a enorme desigualdade racial, sozinhas, não resolverão o problema. No caso do ensino superior, se quisermos democratizar de fato as universidades, não existe uma única solução... É preciso que se tomem várias medidas. A melhoria dos ensinos fundamental e médio públicos é fundamental para o negro. Até porque a maioria estuda em escola pública. Não queremos que ninguém precise de cotas para sempre, e nem elas se prestam a isto. As mudanças estruturais necessárias levam tempo e temos que combater imediatamente a desigualdade existente hoje. Não podemos somente esperar a melhoria desse ensino público, que só deve vir daqui a uns 15 anos. Enquanto isso, gerações ficam sem acesso ao ensino superior. Temos que defender e lutar pela implementação das diversas políticas de democratização do ensino, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e também para a implementação da Lei 10639, que trata da inclusão do ensino da História da África e dos Afro-brasileiros nas escolas. A ação afirmativa aponta para uma nova forma de justiça, que também precisa ser distributiva e assegurar às pessoas bens e direitos indispensáveis ao pleno desenvolvimento de sua cidadania. Ao adotar uma ação afirmativa somente para o estudante da rede pública e proporcionar a ele uma oportunidade de ascensão à universidade, é preciso ter em mente que tipo de rede pública se está querendo promover. O Rio de Janeiro é muito heterogêneo, temos crianças e adolescentes que não são negros e também não são pobres estudando em escolas públicas mais estruturadas (Cefets e CAPs, por exemplo) e que não estariam numa situação de discriminação histórica que justificasse conceder a eles uma ação afirmativa. Isso acontece em diversos estados do país. As vagas no ensino superior são reduzidas e é preciso saber de qual escola pública se está falando quando o assunto é ação afirmativa.


Qual a opinião do senhor sobre as cotas raciais?
Em relação ao negro, fica nítido que é por conta do racismo estrutural. Fator que se reproduz historicamente no Brasil por conta da não adoção de políticas públicas para os descendentes de escravos, do pós-abolição até os dias de hoje. As cotas visam ajudar na redução das desigualdades e na promoção da diversidade, que deve ser cada vez mais fundamental nos espaços de poder, ainda mais na educação superior. No Brasil, existe uma diversidade muito grande na população sim, mas quando analisamos alguns nichos de poder, como uma universidade, percebemos a ausência de negros. No Brasil inteiro há essa diferença racial. É preciso que tenhamos mulheres, homens, negros, indígenas e pessoas com deficiência em todos os espaços de poder. Todos os povos que formaram nossa população devem estar representados. O colonizador nos legou uma elite branca e os negros e indígenas na base da pirâmide social, e hoje, 120 anos depois da abolição da escravatura, continuamos com esse mesmo caráter. Temos que suplantar isto.

Esse sistema é realmente eficaz na diminuição da desigualdade entre negros e brancos?
Existem casos, por exemplo, de estudantes de Campo Grande que foram bons alunos na escola pública e conseguiram entrar na Uerj para fazer Direito, Engenharia. Muitos da Baixada Fluminense e da periferia do Rio de Janeiro. Estão em busca de estágio, daqui a pouco serão bons profissionais nas áreas que escolheram. Eles são um exemplo muito importante para outros membros de suas famílias e comunidade, que passam a acreditar e a ter um estímulo para buscar o ensino superior, ter uma profissão, progredir na vida através do estudo.

Quantas universidades adotam o sistema de bonificação e como ele funciona?De acordo com o estudo, sete adotaram o sistema de bonificação. A UFF vem adotando uma política afirmativa só para estudantes de escolas públicas, mas quem garante que todos os estudantes da escolas públicas são pobres e/ou negros?
Pode ser que este sistema beneficie estudantes que não precisariam disso e que poderiam disputar de igual para igual com os outros. Tenho dúvidas de que este modelo promoverá os negros de forma efetiva, porque os que mais precisam não estão nas escolas que conseguem dar um ensino público mais estruturado. O sistema de pontuação da Unicamp, por exemplo, dá ponto extra para o aluno. De acordo com o grupo que o estudante se declara pertencer, negro ou de rede pública, ele ganha mais pontos. Resta saber se esses pontos fazem diferença para ajudá-lo a ingressar. Quando se pensa na origem da ação afirmativa pelo mundo, não tem a ver com benefício, e sim promoção. A ação afirmativa não é para dar conta de todo o problema da exclusão. Na população brasileira, o número de negros é muito grande. É preciso ter por princípio essa idéia de promoção. Uma das minhas maiores críticas ao sistema de acesso ao ensino superior é por ele se reduzir ao vestibular. Entendo que ele não serve para aferir conhecimento. Neste sentido, ele é inconstitucional porque não mede a capacidade, como quer a Constituição da República. O vestibular não tem como avaliar o estudante que terá mais propensão a um melhor desempenho em determinada carreira e isso fere gravemente o que a Constituição quer. Existem pessoas que estudaram em boas escolas e não conseguem entrar porque não têm vagas para elas. Neste caso, a briga será entre as pessoas que estudaram em escolas mais estruturadas, mas não tiveram as mesmas condições de pagar por um cursinho preparatório caro. O programa de inclusão da USP não inclui a questão racial. Então, criaram um benefício para estudantes de escola pública, mas não dizem quantos negros ingressaram por este sistema. A UFRJ também discutiu a questão e foi contra, o que considero um absurdo. É preciso registrar que estive na UFRJ fazendo uma palestra. Estava na área de Saúde e passaram por mim cerca de 70 estudantes de Medicina. Em todo o grupo, não vi um negro. Que democracia é essa? O que vamos deixar para os que virão? Democracia que não tem a participação de todos é falsa, vazia. E aqui no Brasil nos acostumamos com esse tipo de democracia que existe apenas em alguns grupos, sobretudo na educação superior. E não reflete um Estado Democrático de Direito. Nós sabemos o papel importante que as universidades públicas têm na formação das novas elites. Por isto, precisamos ampliar e democratizar o acesso ao ensino superior.


Em 2007, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, sancionou uma lei que incluiu nas cotas da Uerj, os filhos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos em serviço, no percentual de 5% das vagas já reservadas para deficientes físicos e minorias étnicas. O que o senhor pensa sobre esta inclusão?
Esse grupo não é historicamente discriminado. Havia na verdade uma sobra de vagas nas cotas destinadas a pessoas indígenas e com deficiência. Por isso, eles incluíram esse grupo nas cotas. Acho que o Estado deve ter alguma política para essas pessoas que são filhos de pais que morreram em combate, mas não defendo que isto se faça por via do sistema de cotas numa universidade. Que se faça na Academia da Polícia Militar (APM), no corpo de bombeiros ou em outras escolas de formação de oficiais. A política de ação afirmativa tem a justificativa de promover quem realmente está excluído por uma razão histórica.

Na sua opinião, alguma coisa poderia ser mudada no atual sistema de cotas? O quê?
O desafio que a ação afirmativa traz para o Brasil é que ele consiga formar efetivamente sua população. No Rio, eu não mudaria nada, tem cinco anos apenas. Não existe um estudo efetivo sobre o que está acontecendo. Na parte de rendimento, não temos uma análise. Temos que esperar muitas turmas se formarem para podermos avaliar melhor. A Medicina ainda não formou a primeira turma com alunos que ingressaram pelo sistema de cotas. O sistema das universidades estaduais do Rio de Janeiro é um dos melhores. O que eu acho que está faltando é a criação de políticas de permanência para os estudantes. Temos que conjugar a flexibilização na entrada com a possibilidade de permanecer e concluir o curso. Uma coisa não pode se desenvolver sem a outra. Nesse estudo, verificamos que não existe nenhuma universidade que tenha adotado uma política de permanência satisfatória para os estudantes. O que demonstra que o Estado brasileiro precisa aprender a promover a inclusão. Me preocupa muito a discussão de uma coisa sem a outra. Há uma discussão muito grande de inclusão e nada de permanência. Não deveria ser assim. Infelizmente, me parece que o Estado aguarda que os estudantes demonstrem que estão com dificuldades para continuar seus estudos, para só então começar a fazer algo. Mas, apesar disso, acompanho com muita esperança a introdução de políticas de inclusão para minorias tradicionalmente excluídas no ensino superior. No Brasil, sem dúvida que isto representa um dos maiores avanços na promoção da cidadania e um dos maiores desafios para termos de fato a redução de desigualdades incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

domingo, 21 de janeiro de 2007

VOCÊ É O QUE VOCÊ ASSISTE

Este artigo é "antigo" e bem interessante, mesmo se remetendo somente a sociedade norte-americana. Apesar de longo vale a pena ler.

Retirado do Blog Só seriado de TV.

NEW YORK TIMES - 23/09/2007
A audiência de massa se ramificou há muito tempo hoje os espectadores se dividem em tribos com seus próprios rituais e ritos de passagem
Alessandra Stanley

"O que você assiste?" não é mais uma forma preguiçosa de redirecionar uma conversa aborrecida. As perguntas sobre programas preferidos tornaram-se cheias de significado o assunto é tão íntimo revelador e potencialmente incômodo quanto falar sobre sua renda pessoal.

A era da televisão é rica e exigente. Hoje as opções são abundantes fragmentadas e boas. E decidir entre centenas de canais ofertas "on demand" DVRdownloads da internet e iPhones exige tanta pesquisa planejamento e dedicação que os espectadores se tornaram exclusivos em suas opções. Formam-se alianças assim como antipatias. O esnobismo se enraíza. As preferências tornam-se totêmicas. A audiência de massa se ramificou há muito tempo hoje os espectadores se dividem em tribos com seus próprios rituais e ritos de passagem.

Algumas pessoas juram fidelidade a "Mad Men" a elegante e meditativa série passada no mundo da publicidade da Madison Avenue no final do governo Eisenhower. Outros acham a estética do programa limitadora e tendenciosa demais e afirmam que a melhor novidade do verão foi "Damages" a série de suspense jurídico com Glenn Close na FX. E até esta causou rixas entre os que vibram com o estrelismo de Close e os que acham o enredo complicado demais e cheio de tragédias.

"Lost" da ABC ainda encontra devotos, mas o momento das massas passou para "Heroes" que tem mística com menos camadas de mistificação. Até algumas pessoas que dizem não assistir televisão fazem uma exceção para "The Wire" na HBO. "Prison Break" na Fox tem um público pequeno, mas apaixonado como também "Project Runway" da Bravo. Na NBC "The Office" é uma das melhores comédias da TV mas os exigentes demais afirmam que não se compara à versão original britânica estrelada por Ricky Gervais. "30 Rock" têm uma base de fãs fervorosa, mas exclui o público que não acompanha a Page Six [revista de fofocas]. Além disso, muita gente jurou que não assiste mais a séries cômicas depois que a Fox cancelou "Arrested Development".

Torre de Babel

Um programa favorito é uma dica de personalidade gosto e sofisticação assim como foi a música antes que se tornasse virtualmente grátis e consumida igualmente por faixas individuais ou por artistas. Os dramas ficaram mais complexos muitos dos melhores são serializados e exigem tempo e assistência seqüencial. No mínimo a televisão tornou-se mais próxima da literatura inspiram do algo semelhante às confrarias que se formam em torno dos autores que as pessoas dizem que levariam para a proverbial ilha deserta. (As que dizem "Ulisses", pois ocuparia mais tempo que quase qualquer outro romance provavelmente também levariam "The Wire".

Alguns eventos são suficientemente importantes para atrair a atenção de todo mundo: o final enigmático de "Os Sopranos" ou um crime cometido por uma celebridade. Mas principalmente a televisão é uma Torre de Babel desmoronada fragmentos esparsos de conversa sobre uma infinidade de programas. Os apresentadores de programas de entrevistas e os críticos de mídia debatem se "Kid Nation" - um "reality show" exibido pela CBS que coloca jovens numa experiência de aprendizado de 40 dias no estilo "Outward Bound/ O Senhor das Moscas"- constitui abuso de menores. Em escala menores suburbanas traficantes de "Weeds" no Showtime e a apologia da tortura em "24" da Fox e até o mundo avançado do ainda inédito "Pushing Daisies" da ABC incendeiam discussões em blogs salões de cabeleireiro jantar e s e até em cidades universitárias onde cada vez menos gente declara que nunca assiste televisão.

Isso não significa que a era da televisão em rede como experiência nacional compartilhada, por exemplo, quando todo mundo assistia a "Roots" ou "Dallas" terminou. Alguns programas mais notavelmente "American Idol" reúnem um público enorme cuja maioria é jovem o suficiente para nunca ter ouvido falar em Ed Sullivan ou lembrar o tempo em que você podia assistir a "Bonanza" só às 21hs de domingo ou esperar por uma reprise no verão. Mas são as séries menos conhecidas que inspiram os fiéis mais fervorosos. Os fãs derrubaram o veto da CBS a "Jericho" na última primavera trazendo - a de volta depois que a rede a cancelou por causa da baixa audiência. Nessa paisagem de mídia balcanizadaos espectadores buscam e guardam zelosamente suas descobertas onde quer que as encontrem.

Não é um salto evidente de "Os Sopranos" para o canal Sci-Fimas uma amiga que ficou arrasada quando a série da HBO terminou foi atraída pela nova encarnação de "Battlestar Galactica" um seriado "cult" sobre uma frota de naves espaciais que tenta escapar da raça de robôs Cylons e encontra refúgio numa colônia perdida e fabulosa conhecida como Terra.

Ficção-científica é uma coisa: "Battlestar Galactica" tem cachê intelectual.


"Os humanos são pagãos politeístas e os robôs são monoteístas cuja 'jihad' divina é contra os humanos (apesar de os robôs saberem que foram criados por eles)" explicou Anthony Gottliebautor de "The Dream of Reason: A History of Philosophy from the Greeks to the Renaissance" [O sonho da razão: uma história da filosofia dos gregos ao Renascimento] por meio de seu Black berryde uma área de recepção de bagagens num aeroporto. "Existe uma curiosa mistura de alta tecnologia com superstição e fundamentalismo escritural (o que interessantemente sugere que a religião é inextinguível como dizem hoje com crescente freqüência os teóricos do secularismo)."

Gottlieb gosta de quebra-cabeças filosóficos ("Alguns robôs pensam que são humanos e alguns humanos temem que possam ser robôs") assim como do modo como o programa alterna suas simpatias entre a democracia e a ditadura. Ele realmente só faz uma objeção. "Tem muito romance, mas isso me aborrece" sugere. "Menos beijos e mais mortes é um freqüente refrão interior meu."

Neste verão "Mad Men" marcou meu mundo com círculos cada vez maiores de especialização. Ficamos fascinados pelo visual cor-de-âmbar do início dos anos 1960 quando os homens tomavam martínis no almoço e as donas-de-casa fumavam nas reuniões de pais e mestres e a batalha entre os sexos mal tinham começado. Michael Haineyo editor-assistente da revista "GQ" está encantado pelo modo como a série capta com minúcia os detalhes de um momento perdido de super confiança americana. "É uma peça de época que é sobre hoje "explicou Hainey. Ele também gosta do visual e do clima que descreveu como "uma mistura de 'The Appartment' com 'O Espião que Veio do Frio'".

Outros amigos são viciados em "The Closer" na TNT e imitam o sotaque sulista de Kyra Sedgwick ("thankyousoverymu- uu-ch"). Quase todo mundo que conheço assiste a alguma forma de "Law & Order" em algum momento da semana. Como espectadora profissional assisto às reprises de Jerry Orbach para limpar o paladar algo leve e tranqüilizador entre fitas para resenhar.

Hábitos vergonhosos

A geração DVR não sabe o que significa uma nova temporada de outono ou televisão com hora marcada. Sei disso porque tenho uma filha de 14 anos que às vezes consente em servir de embaixatriz do Planeta Juventude. "Não existe um programa na moda" ela declarou recentemente. "Todo mundo assiste a coisas diferentes. Não posso ajudá-la." (Mas ela deu algumas dicas: a garotada "esperta" vê "House" e "The Office" enquanto as meninas adolescentes que não temem parecer "lobotomizadas" como ela diz vêem "Grey's Anatomy".)

Os adolescentes não são os únicos com hábitos vergonhosos escondidos no armário. A maioria das pessoas tem programas que só admite assistir depois de um preâmbulo autocrítico que mostra como ela é encantadoramente eclética e não apenas uma lúmpen-espectadora. As pessoas tornaram-se curadoras de seu consumo televisivo buscando explicações amplas para continuarem sintonizando "American Idol" (antropologia cultural) ou o Nascar (apenas antropologia).

Programas mais alternativos como "Mythbusters" no Discovery Channel ou mesmo "Timeless Romance Jewelry" no QVC não são embaraçosos recaem na categoria de distração extravagante.

As produções para o mercado de massa são mais difíceis de explicar. Muitas pessoas do departamento de cultura deste jornal nunca vêem televisão a menos que seja uma adaptação de uma novela de George Eliot no "Obras-Primas do Teatro". Mas um dos editores mais inteligentes que conheço certa vez admitiu depois de alguns drinques que ia a seu escritório quando não havia ninguém por perto para assistir a "Reba". Eu sou paga para assistir televisão e me orgulho de ter um aparelho de TV ligado o tempo todo como uma espécie de chama eterna um memorial a todos os programas que foram cancelados. O código de honra do crítico é "nenhum programa será deixado para trás".

Não me envergonho de dizer que tento nunca perder "Mad Men" "Curb Your Enthusiasm"" 30 Rock" e também "House" e "Sleeper Cell." Tenho mais dificuldade para admitir que às vezes gravo "NCIS" e "Jag".

Antes da Internet dos iPhones e "flash drives" as pessoas debatiam quem curtia os Pixies quando ainda eram uma banda de garagem ou quem conseguia ir mais fundo na defesa dos méritos de Oasis versus Blur. Hoje a não ser pelos aficionados linha-dura do rock é mais provável que a especialização se concentre em torno de uma série de televisão - como pistas metafísicas embutidas em "Lost" se a atual "Battlestar Galactica" é uma afronta ao original de 1978 (alguns bloggers referem-se ironicamente à atual encarnação como "Gino" abreviação de "Galactica in name only" [Galactica só no nome]) ou que descobriram "Flight of the Conchords" quando era um grupo de comediantes que fazia shows e não uma série da HBO.

A televisão costumava ser rejeitada pelos elitistas como a caixa de burrice um mar de mediocridade que afoga o pensamento e o debate inteligente. Hoje as pessoas que ignoram suas poças e marés de excelência o fazem sob seu próprio risco. Elas estão perdendo o assunto principal da conversa em sua mesa.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

ENTREVISTA COM MARCELO PAIXÃO

Entrevista retirada do jornal Folha Dirigida (15-01-08)


Um retrato em branco e preto das desigualdades raciais
15/01/2008
Alessandra Moura Bizoni


Estudo revela o tamanho do abismo da formação escolar entre brancos e negros no Brasil, bem como alerta que a escola, os professores e os livros didáticos, como estão formatados hoje, mais reproduzem do que combatem a desigualdade e os preconceitos.

O quarto capítulo do 1º Relatório das Desigualdades Raciais no Brasil revela o hiato entre os níveis de escolarização de brancos e negros no país. Embora os dados indiquem um período estimado de 17 anos para sanar as diferenças entre os anos de estudo dos dois grupos da população, o economista Marcelo Paixão salienta que os negros chegam a sofrer três vezes mais as mazelas do sistema educacional brasileiro.

Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), Marcelo Paixão apresentou recentemente os dados relativos à educação. Mas, até o final de março, deve ser divulgado o 1º Relatório das Desigualdes Raciais no Brasil, que contempla aspectos como evolução demográfica, taxas de mortalidade, políticas públicas, acesso à escolaridade e ao mercado de trabalho, bens de uso coletivo (como água, esgoto) à mídia e à universidade.

Além disso, em março, Marcelo Paixão lançará o livro "A dialética do bom aluno", no qual aponta caminhos para a transformação da escola e do espaço escolar. "A história dos negros nos livros didáticos termina com a abolição da escravidão. Ora, se havia escravos também havia os escravizadores. Essa relação deve estar presente nos livros, em suas duas polaridades. Nós somos o segundo maior país em população negra no mundo, perdendo apenas para a Nigéria. E não temos essa realidade retratada nos livros", argumenta o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao qual o Laeser pertence.

Sua pesquisa feita pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) do Instituto de Economia da UFRJ indica que restam, pelo menos, 17 anos para sanar o hiato entre os níveis de escolarização de brancos e negros no Brasil. Como o sr. avalia esse dado?
Marcelo Paixão - A escolaridade da população negra se coloca no cerne deste debate que remete a um pano de fundo histórico. No período escravista, era proibido que a população escrava tivesse acesso às letras. E quando pegamos dados, lá pelos idos de 1950, verificamos que quase 70% da população negra no Brasil era analfabeta. Isso significa que, 70 anos após a abolição da escravidão, sete em cada dez negros eram analfabetos. Na verdade, essas assimetrias de nível de escolaridade entre a população afrodescendente e a população branca se manteve por todo esse período. Sabemos que isso não é fruto do acaso, e sim do "descaso". E durante os últimos 20 anos, entre os anos 80 e início da década de 90, ainda encontramos uma persistente resistência nas assimetrias entre um grupo e outro, em relação aos anos de estudo. Ainda nessa década, entre 1980 e 2000, encontramos uma estabilidade muito grande. A distância fica na média de dois anos, quando se fala em anos de estudo da população com mais de 15 anos de idade.

E o que aconteceu mais recentemente, nesse período detalhado em sua pesquisa, que vai de 1995 a 2006?
Nesse intervalo, o indicador dos negros melhorou 1,9 anos e o dos brancos cresceu 1,6 anos. Ou seja, uma desigualdade que se mantinha na casa dos dois anos de escolaridade obedeceu a uma pequena redução de 0,3 anos. Ou seja, ao projetar esses dados em termos de média geométrica de um ou de outro, para um empatar com o outro, demoraria 17 anos. Se consideramos que o nível fundamental é de oito anos — embora o ensino fundamental com nove anos esteja plenamente implementado somente em 2010 —, ainda teríamos duas gerações aonde haveria a persistência de desigualdade. Não há nenhuma garantia de que, daqui para frente, os níveis de escolarização dos negros continuarão crescendo. Pode haver uma queda. Por isso, esse estudo aponta apenas o tamanho de um "gap". Esse estudo é muito mais um sinalizador de assimetrias do que um exercício de futurologia. Por outro lado, o estudo revela que já houve uma melhora de ambos os lados e que o "gap" entre os dois grupos encolheu. Mas esses dados ainda não são robustos para que se possa dizer que essas desigualdades estão sendo anuladas, com exceção de um ou outro indicador.

Quais são as principais diferenças entre o nível de escolarização de brancos e negros no Brasil?
Hoje, praticamente 98,8% da população de brancos e 97,7% de negros entre sete e 14 anos de idade — a população em idade escolar para freqüentar o ensino fundamental — já está na escola. É uma diferença de 1,1%.

Então, somente com a universalização do acesso ao ensino fundamental, ocorrido na segunda metade da década de 90, é que houve uma aproximação efetiva entre o nível de escolaridade dos dois grupos?
Exatamente. Mas quando se fala em taxa de cobertura do sistema de ensino, não importa se o garoto de 14 anos está na primeira série do ensino fundamental: ele está na escola. Esse dado revela se as crianças estão freqüentando a escola, mas oculta da taxa de repetência, a defasagem, o abandono. Como esse tema é muito caro ao Brasil e às agências internacionais, existem vários indicadores que calculam o acesso ao ensino. Existe um que é muito conhecido entre os especialistas, que é a taxa bruta de escolaridade. A taxa bruta de escolaridade é quando se pega a população que está freqüentando a escola e se divide pela população que tem a idade compatível para freqüentar um determinado nível de ensino. A idade correta para o ensino fundamental é de sete a 14 anos (daqui a pouco tempo será de seis a 14 anos); a do ensino médio é de 15 a 17 anos; e a do ensino superior é de 18 a 24 anos.

Atualmente, qual é a dimensão do hiato entre a escolarização de brancos e negros?
A taxa bruta de escolaridade dos negros é de 121,9%, em 2006. E o das crianças brancas é de 114,3%. Isso reflete que a distorção idade/série entre os negros é maior. Esse indicador revela que a população negra está indo para a escola num nível que jamais ocorreu, mas é preciso ressalvar que a população está indo para a escola, mas está apresentado níveis de defasagem que são muito pronunciados. Outro indicador que é importante relevar é a relação idade/série. Se eu tenho oito anos e estou na primeira série, tenho defasagem de um ano. Se eu tenho nove anos e estou na primeira série, tenho defasagem de dois anos. No primeiro ciclo do fundamental, em 2006, a distorção idade/série é de 0,8 anos para brancos e de 1,68 anos para os estudantes negros.

Que avaliação o sr. faz da evolução desse quadro ao longo das últimas décadas?
Ocorreu a redução das distâncias relativas entre os níveis de escolarização de brancos e negros, mas as distâncias ainda são muito grandes. A população negra está indo para a escola, principalmente o grupo entre sete e 14 anos, mas há hoje um nível de defasagem e de abandono dos bancos escolares que ainda mostra que esse problema da baixa qualidade do sistema de ensino no Brasil afeta mais a população negra do que a branca. Um indicador interessante é a taxa de adequação ao sistema de ensino, que verifica se a criança está na escola e na série correta. Se a criança está na escola fora da série correta ou se ela está fora da escola, ela está inadequada ao sistema de ensino. No primeiro ciclo do ensino fundamental (7 a 10 anos), em 2006, 62,2% das crianças brancas estão adequadas; e entre as crianças negras o índice é de 52,2%, uma diferença de dez pontos percentuais. Analisando esse mesmo indicador com relação ao segundo ciclo do ensino fundamental (crianças de 10 a 14 anos), os índices são de 49,8% para crianças brancas e 33,1 entre as crianças negras. Esses dados são muito ruins, pois indicam que metade das crianças brancas nesta idade está fora da escola ou na série inadequada. E, para os negros, os números demonstram que, em cada dez crianças nesta faixa etária, sete estão fora da escola ou na série inadequada. Entre os 15 e 17 anos, esse indicador é de 37,4% entre os brancos e 19,3% entre os negros. Ou seja, oito em cada dez crianças negras nesta faixa etária estão fora da escola ou estão estudando na série errada.

Como são os indicadores para o ensino superior?
No período estudado entre 1995 e 2006, a taxa bruta de escolaridade do ensino superior (população freqüentadora da universidade independentemente da idade que possua divido pelo número de pessoas com idade entre 18 e 24 anos) entre os brancos passou de 13,1% para 30,7%; entre a população negra esse indicador evolui de 3,3% em 1995 para 12,1 em 2006. O indicador melhorou, mas quando se parte de um nível de 3,3%, qualquer melhoria vai dar um pulo. Quando pegamos a taxa líquida de escolaridade (população entre 18 e 24 anos que está efetivamente na universidade divido pela população com idade entre 18 e 24 anos) verificamos que entre 1995 e 2006, a população branca pulou de 9,2% para 19,5% e a população negra pulou de 2% para 6,3% nesse mesmo período. Nesse nível de ensino, as desigualdades são gritantes. Se analisarmos o total de jovens negros entre 18 e 24 anos, praticamente 94% estão fora deste nível de ensino. Quando faço minha pesquisa, penso nos dois grupos - brancos e negros. Com relação aos brancos, os índices também são ruins. Só que existe um grupo três vezes mais penalizado do que o outro.

Com relação ao acesso ao ensino privado, qual é a diferença entre negros e brancos?
A grande maioria de jovens brasileiros entre 7 a 14 anos estuda em escola pública: são 81,3% dos brancos e 91,7% dos negros. Por outro ângulo, significa que tenho 19,7% dos brancos em escola privada e 8,3% dos negros no ensino privado. O número de crianças brancas em escolas privadas é quase que o dobro do número de crianças negras. Há uma deficiência muito grande de jovens brasileiros com relação ao acesso à universidade e isso está relacionado com esses dados que acabamos de apresentar. Quando pegamos esse indicador na faixa de 15 a 17 anos, 79% estão na rede pública e 23% na privada. Os números mostram o nível de dependência dos jovens do Brasil da escola pública.

E qual é saída para tal situação?
A escola pública precisa melhorar seu nível de qualidade para que essa desigualdade seja sanada. Eu não acho que essa questão da qualidade seja uma questão apenas de pré-escola. Acredito também em uma discussão sobre os conteúdos pedagógicos apresentados em sala de aula. É preciso que cada escola tenha biblioteca, computadores. Mas se não houver um elemento na escola que seja mais receptivo à constituição de um ambiente pró-diversidade, pró-multiculturalismo... Se essas práticas pedagógicas — que muitas vezes incorporam elementos muito preconceituosos e discriminatórios — permanecerem no espaço escolar, ainda assim as desigualdades vão estar presentes. Tivemos no Brasil, a partir da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), iniciativas importantes no sentido de pensar o espaço escolar criticamente. O professorado tem que receber mais. Eles precisam ter dedicação exclusiva à instituição para qual trabalham. Hoje todo professor deveria ter de graça um notebook e acesso à internet. É preciso que haja um investimento nas escolas que, muitas vezes, são o primeiro lar de algumas crianças de áreas de periferia.

O que Estado pode fazer para sanar esse hiato?
É preciso haver, ao mesmo tempo, aumento nos investimentos em educação e a criação de uma cultura em defesa da igualdade entre diferentes do espaço escolar. Precisamos ter igualdade entre os diferentes. As diferenças vão desde os alunos que têm dificuldade de locomoção e de enxergar, até os alunos negros. A nossa educação ainda é muito formatada por padrões estranhos à realidade dos jovens.

De que forma as relações raciais devem ser abordadas nas salas de aula?
O combate ao racismo deveria ser tratado como uma questão pedagógica?O campo que tem tido relativo avanço com relação aos estudos raciais é o da área de Educação. Há muitos estudiosos no setor trabalhando com esse tema. Na análise desses estudos, percebe-se diferença no tratamento das crianças em sala de aula, uma questão que Eliane Cavalero fala, que é a pedagogia do silêncio. A criança sofre uma agressão racial em sala de aula e há um despreparo do ambiente escolar para trabalhar com esse problema, que acaba comprometendo o rendimento escolar. E, se uma pessoa já tem dificuldades econômicas para prosseguir com seus estudos, e também tem ao mesmo tempo dificuldades motivadas por discriminações, por preconceitos, é claro que haverá mais possibilidades de ter o desenvolvimento de seu aprendizado afetado.

E como o material didático deve se comportar com relação às questões raciais?
A questão dos livros escolares é muito importante. Tanto o material didático quanto o material paradidático ainda apresentam uma dificuldade muito grande de trabalhar com um ambiente diverso em sala de aula, apesar de ter havido todo um esforço derivado do Programa Nacional do Livro Didático para evitar que discriminações verbais ou óticas sejam veiculadas. Se a população tem essa sua marca da diversidade, essa diversidade deve estar nos livros, no material paradidático. Esse material deve servir para as pessoas construírem uma reflexão sobre suas práticas, sobre o que elas vêem no dia-a-dia. Se o livro didático brasileiro é fundamentado por padrões eurocêntricos, indiferentes à diversidade que forma o povo brasileiro, é claro que vai transformar o ambiente em sala de aula mais receptivo para um do que para outro.

Esta é uma questão presente nos cursos de formação de professores?
Se pegarmos as faculdades de Pedagogia Brasil afora, pouquíssimas são aquelas que têm as relações raciais em seus currículos. É notório que há uma deficiência. Mas falo isso como leigo, pois não sou da Faculdade de Educação. Sou economista. Existe a lei 10.639/2003, sobre o Ensino de História Africana e Afro-brasileira, que é muito importante. Ela trata da obrigatoriedade do ensino de história africana e da população afrodescendente na educação básica, principalmente para ser dada na disciplina de história. Acredito que essa lei contribui para quebrar um pouco a perspectiva eurocêntrica, que sempre marcou o ensino brasileiro. A história dos negros nos livros didáticos termina com a abolição da escravidão. Ora, se havia escravos também havia os escravizadores. Essa relação deve estar presente nos livros, em suas duas polaridades. Nós somos o segundo maior país em população negra no mundo, perdendo apenas para a Nigéria. E não temos essa realidade retratada nos livros escolares.

Até que ponto esse comportamento da escola, dos professores e do livro didático afeta a reprodução do preconceito?
A escola, do jeito que está hoje, ajuda a reproduzir desigualdades e não a superá-las. Só é possível superar desigualdades enfrentando-as. Essas assimetrias envolvem questões mais amplas. A escola é a segunda maior agência de socialização dos indivíduos na sociedade, ficando atrás somente da família. Principalmente numa sociedade moderna, quando outras agências que tinham papel importante, como a Igreja, não têm mais tanta influência assim. É evidente que temos uma sociedade racista e discriminatória, que leva pessoas de formato físico diferente a viver papéis sociais diferenciados. E a escola não é neutra com relação a isso. Então, buscamos uma reflexão sobre uma nova escola que forme um cidadão, um agente participativo da vida social. Essa escola, para a população negra no Brasil, ainda está por ser construída.

Como avalia as medidas afirmativas, como a adoção do sistema de cotas em universidades públicas?
As ações afirmativas não envolvem apenas cotas. A Lei 10.639/2003 carrega um princípio de ação afirmativa. Ou quando dizemos que o livro didático precisa ser mudado, que ele reconheça a diversidade do povo brasileiro. Esse é um princípio de ação afirmativa. As cotas são um debate que pega mais a universidade pública. O Prouni, desde que foi implantado em 2004 até 2006, atendeu cerca de 330 mil jovens. Mas o Prouni dá bolsas nas instituições privadas. Dentro delas, 30% das vagas foram reservadas para negros. Houve cerca de 60 mil negros beneficiados com vagas no Prouni. Isso não gerou polêmica. Por que será? Era uma vaga que sequer estava ocupada e por isso não criaria nenhum tipo de problema no interior daquela sociedade? Porque não afetaria ninguém? Se consideramos que o sistema universitário no Brasil tem cotas para as universidades públicas e privadas, a polêmica das cotas, hoje em dia, está toda centrada nas universidades públicas. Por que opera o princípio que é: "não mexe no meu". Por isso, setores médios e médios altos ficam preocupados com perdas quando se vai produzir uma redistribuição de vagas. Quando nós dizemos que somos a favor de ações afirmativas, através do mecanismos de cotas, em universidades, estamos querendo que, em determinadas profissões, o perfil seja mudado de tal maneira que se possa encontrar com facilidade, no futuro, médicos, jornalistas, economistas e outros "istas" negros. Sabendo que se isto não for aplicado hoje, dificilmente, no futuro, vai ser diferente. As cotas não são uma dádiva aos alunos das escolas públicas ou aos negros. As cotas representam um aspecto positivo dentro da própria universidade brasileira, tal como ela está formatada. A universidade brasileira hoje tem uma dívida para pagar com a sociedade brasileira. Há muitas questões dentro da universidade que não são temas de pesquisa. A universidade brasileira está formatada para pensar assuntos que dizem respeito somente aos segmentos médios e altos desse país. A mudança do público que vem para dentro da universidade não vai mudar por encanto essa realidade, mas pode ajudar. Esse público pode ajudar a trazer novas preocupações teóricas e epistemológicas. Temos, sim, a possibilidade de produzir um movimento histórico nesse país. Demoramos 120 anos para fazer esse tipo de política.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Programação - Os Semmentais de Yennenga



De 02/01/2008 a 20/01/2008

• Dia 02/01 - quarta-feira17h - As Mil e uma Mãos (75 min)19h - Sarraounia (120 min)
• Dia 03/01 – quinta-feira17h - Heritage África (110 min)19h - História de um Encontro (80 min)
• Dia 04/01 – sexta-feira17h - Finyé (105 min)19h - Tilaï (81 min)
• Dia 05/01 – sábado17h - Drum (104 min)19h - Em nome de Cristo (82 min)
• Dia 06/01- domingo17h - Buud Yam (99 min)19h - Muna Moto (89 min)
• Dia 08/01 – terça-feira17h - Guimba (93 min)19h - Djeli (92 min)
• Dia 09/01 – quarta-feira17h - Baara (93 min)
• Dia 10/01 – quinta-feira17h - Ali Zaoua (90 min)19h - En Attendant le Bonheur (95 min)
• Dia 11/01 – sexta-feira17h - Djeli (92 min)19h - Buud Yam (99 min)
• Dia 12/01 - sábado17h - Identidade (97 min)19h - Finyé (105 min)• Dia 13/01 - domingo17h - Em Nome de Cristo (82 min)19h - As Mil e uma Mãos (75 min)
• Dia 15/01 – terça-feira17h - Muna Moto (89 min)19h - História de um Encontro (80 min)
• Dia 16/01 – quarta-feira17h - Tilaï (81 min)19h - Drum (104 min)
• Dia 17/01 – quinta-feira17h - Guimba (93 min)19h - Identidade (97 min)
• Dia 18/01 – sexta-feira17h - En Attendant le Bonheur (95 min)19h - Sarraounia (120 min)
• Dia 19/01 - sábado17h - Muna Moto (89 min)19h - Heritage África (110 min)
• Dia 20/01 - domingo17h - Ali Zaoua (90 min)19h - Baara (93 min)

Sinopses - Os Semmentais de Yennenga
De 02/01/2008 a 20/01/2008

Ali Kwika, Omar e Boubker são meninos de rua. Apesar das dificuldades do cotidiano, uma amizade indefectível os une. Ali é logo morto durante uma briga entre bandidos rivais. Seus três amigos agora terão um único objetivo: dar-lhe o enterro que ele merece. Dias 10 e 20.

As Mil e Uma Mãos, de Souhel Benbarka. França, 1971. Em Marrakech, o velho tintureiro Moha e seu filho Miloud transportavam pacotes fios de lã... assim começa a minuciosa tecelagem de tapetes vendidos no exterior e a labuta dos homens, mulheres e meninas. Dias 02 e 13.

Baara, de Souleymane Cissé. França, 1978. Um jovem camponês maliano trabalha como 'baara', isto é: carregador de bagagens em Bamaco. Um dia, faz amizade com um jovem engenheiro. Este passa a protegê-lo e consegue um emprego para ele na fábrica. Dias 09 e 20.

Buud Yam, de Gaston J-M Kabore. França, 1997. Prêmio Etalon de Yennenga, Fespaco 1997. Wend Kuuni foi encontrado quase morto na selva quando era criança e foi adotado por uma família. A vida em família decorre serena até o dia que Poghnéré, sua irmã adotiva, fica gravemente doente. Wend Kuuni parte em busca de um curandeiro lendário. Sai então de sua aldeia nativa e começa uma jornada que o conduzirá rumo às suas próprias raízes. Dias 06 e 11.

Djeli, de Fadika Kramo-Lanchiné. França, 1981. Dois estudantes marfinenses, Fanta e Karamoko, estão apaixonados e querem se casar. Nascidos na mesma aldeia, seus respectivos pais se conhecem bem. Mas Karamoko Kouyaté, filho de Griô, não pode casar com Fanta, filha de um descendente direto de famílias ilustres. Apesar do mundo em plena transformação, as famílias se opõem ao casamento entre seus filhos para preservar a tradição. Dias 08 e 11.

Drum, de Zola Maseko. França/África do Sul, 2004. Drum é um filme sobre a vida de Henry Nxumalo, jornalista de investigação famoso nos anos 50 em Sophiatown, bairro símbolo da resistência cultural em Joanesburgo. Ele trabalha para uma revista negra da moda, Drum, verdadeira arma de mídia na época. Durante esta época, toda uma geração de autores, críticos, músicos e jornalistas exigentes sul-africanos surgiu e exprimiu-se nessa resistência. Dias 05 e 16.

Em Nome de Cristo, de Roger Gnoan M’Bala. França, 1993. Em uma aldeiazinha marfinense, vive um pequeno porqueiro desprezado por todos. Um belo dia, bebe demais e tem a visão de uma 'criança Deus' que o elege para salvar seu povo. Ele passa então a ser Magloire 1º, primo de Cristo e usa a sua eloqüência para impressionar a imaginação das pessoas e fundar uma seita. Dias 5 e 13

En Attendant le Bonheur, de Abderramane Sissako. França/Mauritânia, 2002. Prêmio da Crítica Internacional, Cannes 2002 e Étalon de Yennenga Fespaco, 2003. Abdallah, um menino, encontra sua mãe em Nouadhibou, cidadezinha da costa da Mauritânia, enquanto esperam para viajar para a Europa. Nesse lugar de exílio, cuja língua não entende, tenta decifrar o mundo que o rodeia. Dias 10 e 18.
Finyé, de Souleymane Cissé. França, 1982. Ganhador do Etalon de Yennenga, Fespaço 1983. Dois adolescentes malinenses, Bah e batrou, oriundos de classes sociais diferentes, se encontram no liceu. Bah é o descendente de um grande chefe tradicional. O pai de Batrou, governador militar, representa o novo poder. Ambos pertencem à uma geração que recusa a ordem estabelecida e põe em questão a sociedade. Dias 04 e 12.
Guimba, de Cheik Oumar Sissoko. França, 1995. Ganhador do Etalon de Yennenga, Prêmio de melhores Figurino e Decoração, Fespaco 1995. Sitakili, uma cidade do Sahel, vive sob a dominação de um homem, Guimba e seu filho Janguiné. Dias 08 ,09 e 17.

Heritage Africa, de Kwaw Ansah. França, 1989. Ganhador do Etalon de Yennenga, Fespaco, 1989. O filme conta a ascensão social de Kwesi Atta Bosomefi graças a educação escolar e religiosa que recebeu. Nomeado Comissário Regional africano, Kwesi se identifica com os ingleses que dirigem seu país. Dias 03 e 19.

História de um Encontro, de Brahim Tsaki, França, 1983. Duas crianças surdas e mudas - ela, filha de um engenheiro americano; ele, filho de um camponês argentino - encontram-se e conseguem se comunicar, ultrapassando todas as barreiras culturais que os separam. Dias 03 e 15.

Identidade, de Mwenze Dieudonné Ngangura , França, 1998. Ganhador do Etalon de Yennenga e de melhor intérprete feminino. Mani Kongo, o velho rei de uma província congolesa, decide partir em busca de sua filha, Mwana, que ele mandou para a Bélgica aos oito anos para estudar, e está sem notícias há anos. Dias 12 e 17.

Muna Moto, de Jean Pierre Dikongué Pipa, França, 1974. Ngando e Ndomé se amam e querem se casar, mas a família de Ndomé lembra-lhe que ele deve pagar o dote. Orfão, ele recorre ao tio para ajudá-lo. Mas o tio, que não consegue ser pai apesar das três esposas, decide casar com a moça, sem saber que ela está grávida de Ngando.Dias 06, 15 e 19

Sarraounia, de Med Hondo, França, 1986. Em uma aldeia da África, um velho confia sua filha ao seu amigo. Com este pai adotivo, ela aprende o manejo das armas, as verdades da vida, os modos de comunicação com os espíritos. Uma vez mulher, Sarraounia assume a liderança dos Aznas. Rainha, ela não procura dominar, mas luta pela independência e pela paz. Dias 02 e 18.

Tilaï, de Drissa Quedraogo,França, 1990. Ganhador do Grande Prêmio do festival de Cannes, 1990, Ganhador do Etalon de yennegna. Saga volta a aldeia depois de uma ausência de dois anos. Muitas coisas mudaram. Sua noiva Nogma é agora a segunda esposa de seu pai, mas Saga e Nogma ainda se amam.Dias 04 e 16