terça-feira, 15 de janeiro de 2008

MOVIMENTO NEGRO BUSCA REPAROS FINANCEIROS POR ESCRAVIDÃO

Publicado no Uol notícias (clique aqui). Na lista discriminaçãoracial@yahoogrupos.com.br o professor Flávio Gomes, da UFRJ, fez alguns comentários que valem a pena ler após a matéria do UOL.

13/05/2005 -
Por Marcos de Moura e Souza

SÃO PAULO (Reuters) - Há um mês, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, em visita ao Senegal, pediu desculpas aos africanos pelo regime de escravidão ao qual foram submetidos por 300 anos no Brasil. Agora, defensores dos direitos dos negros brasileiros querem que Lula pague a conta.
A idéia --que ganha corpo entre setores do movimento negro-- é que o Estado brasileiro pague indenizações em dinheiro para descendentes de escravos como forma de reparar danos morais e materiais históricos. Ainda hoje, a população negra do Brasil é mais pobre, tem menos anos de estudo e menor expectativa de vida que a população branca.
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão há exatos 117 anos, em 13 de maio de 1888, e concentra a maior população negra do mundo, à exceção da Nigéria. Quase 50 por cento dos brasileiros são negros --segundo definição do IBGE para o grupo que reúne "pretos" e "pardos"--, o equivalente a cerca de 80 milhões de pessoas.
"A onda de reparações vem beneficiando judeus que sofreram com o Holocausto e os japoneses presos durante o macartismo. No Brasil, fortunas são pagas pelos que foram presos políticos durante o regime militar. Ninguém reclama de nada disso", disse à Reuters o advogado Humberto Adami, presidente do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara).
"Então por que o negro não pode também receber uma reparação? Não se pode comparar o Holocausto à diáspora africana? Será que o sofrimento do negro é mais barato?", questiona Adami.
A proposta da qual Adami é um dos porta-vozes tem um paralelo com o movimento Reparation Now, dos Estados Unidos, que defende que governo e empresas que lucraram com a escravidão indenizem seus afrodescendentes.
Mas no Brasil, a idéia poderia enfrentar obstáculos adicionais. A miscigenação entre negros e brancos aqui é muito mais acentuada que nos EUA e, portanto, definir quem tem sangue de escravo africano nas veias -- tornando-se assim merecedor da reparação-- pode ser algo bem mais difícil.
REGISTROS DESTRUÍDOS
Outro eventual problema é que no fim do século 19, o governo brasileiro, por meio de Ruy Barbosa, destruiu quase todos os registros e documentos relativos à escravidão, o que torna hoje uma missão quase impossível para qualquer brasileiro provar legalmente que seu avô ou bisavô tenha sido escravo.
Para a diretora da ONG Geledés, Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro, nada disso pode desqualificar a luta pelas reparações.
"Não se pode usar esses argumentos para inviabilizar um princípio ético e de justiça que impõe a necessidade de se reconhecer o agravo histórico cuja repercussão permanece até hoje", diz Sueli. "Casos de má-fé deverão ser tratados pela polícia e pela Justiça."
Nesta sexta-feira, outra defensora das indenizações, a vereadora de São Paulo Claudete Alves (PT) protocolou uma representação no Ministério Público Federal, pedindo que este analise e que ingresse com uma ação coletiva contra a União por danos materiais e morais causados pela escravidão. Advogados que assessoram a vereadora estimam que o valor das reparações deva ser de 2 milhões de reais por pessoa.
Mas no governo, assim como outros representantes do movimento negro, avalia-se que políticas de ações afirmativas sejam mais produtivas.
"Após o fim da escravidão, o Estado brasileiro não teve nenhuma ação efetiva para incluir a população negra e para que esta pudesse viver a sua liberdade", disse, por telefone, à Reuters, a ministra da Secretaria de Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. Para ela, políticas públicas --como as cotas para negros em universidades e a inclusão da matéria História da África nas escolas, ambas adotadas sob o governo Lula-- são mais eficientes.

Reparações em dinheiro estão fora do horizonte do governo.

COMENTÁRIO DO PROF. FLÁVIO GOMES ("Flávio Gomes" libertoflavio@yahoo.com.br)

Nunca houve queima de documentos sobre a escravidão. Na verdade foi uma decisão do então Ministro da Fazenda (Rui Barbosa) como resposta aos fazendeiros que ainda tinham expectativas -- no regime republicano -- na indenização pela libertação dos escravos no regime monárquico. A documentação queimada (mais simbolicamente em praças públicas por ocasião de comícios de exaltação a República e quase atos cívicos) era de natureza fiscal. Nada mais que isso.

Sempre existiu e existe documentação em abundância como registros eclesiásticos, processos crimes e civéis, inventários, além da documentação administrativa dos vários ministérios do Império, isso sem falar da documentação de natureza colonial.

A coisa foi pior pois tentou-se com esta idéia de "destruir documentos" apagar a memória social. E o culpado não foi Rui Barbosa. Mas parte substantiva da elite intelectual e literatos. Nos anos imediatamente pós-abolição e já no início do século XX a idéia de escravidão era associada a um passado muito distante. Estava em jogo desmanchar cenários de lutas (também sofrimentos) da população negra pela abolição e principalmente silenciar as expectativas de cidadania emergentes.

Podemos mesmo falar da memória. E fazendo um cálculo simples. Uma escrava nascida em maio de 1871 (antes da lei do Ventre Livre de setembro). Só foi libertada em 1888, portanto com 17 anos. Uma parte da infância (desde os sete anos pelo menos) e início da juventude na escravidão. Teve a primeira filha (num total de 15 filhos entre vivos e mortos) aos 14 anos (1885, portanto nascida livre) e a última aos 48 anos (era já o ano de 1919).

Esta ex-escrava -- nascida em maio de 1871 repito -- morreu aos 95 anos, portanto em 1966. Na ocasião a sua primeira filha já tinha 81 anos e a caçula 47 anos. Assim filhos, irmãos, netos e bisnetos conviveram com pais, tios, avós e bisavós ex-escravos. Isso por muito tempo. Como apagar a memória ?
Poderiámos hoje ter como ministro, prefeito de grande capital ou presidente da República, um verdadeiro neto de ex-excravo. Alguém nascido em 1948 -- portanto hoje com 60 anos -- seria tanto neto de uma ex-escrava como convivido com a sua avó até os 18 anos.

Saudações,

F.Gomes

Um comentário:

  1. Parabéns ao Prof. Flávio Gomes não só pela lucidez, como também pelo esclarecimento que trouxe seu comentário.
    Os grandes equívocos em torno de temas que envolvem episódios relacionados a escravidão, África e cultura negra no Brasil são tão grotescos que chegam a tentar atingir nomes como o do nosso maio brasileiro do século XX.
    Rui Barbosa levou o Brasil a ser respeitado nas reuniões de que participava, não só pela eloqüência com que se dirigia nas tribunas, como também pelo profundo domínio de argumentos irrefutáveis.
    O Jovem Griot que escreve seus pensamentos neste espaço deveria ser mais cuidadoso com o que escreve. Ser um mero reprodutor de idéias e pensamentos não o habilita a aventurar-se num voo solo pelo mundo da escrita.
    Indenização? Que indenização?
    Quero o meu quinhão, afinal sou branco, porém neto de negro. Ahhh! Não tenho direito a indenização? E se me casar com uma negra e o nosso filho for negro, ele terá?
    Critério interessante este de cor de pele e não de descendência. Somos todos brasileiros e essa verdade o movimento negro ainda não enxergou. Além do mais, também quero indenização do povo africano que venderam meus ancestrais, ou melhor, os trocaram por cachaça, fumo e pólvora, entre outras quinquilharias condenando-os a escravidão nas Américas.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.