quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

REPORTAGEM SOBRE FARÓS NEGROS NA NATIONAL GEOGRAFHIC

Faraós negros
Um capítulo esquecido da história fala de um tempo em que reis do interior da África conquistaram o Antigo Egito
No ano de 730 a.C., um homem chamado Piye chegou à conclusão de que a única maneira de salvar o Egito de si mesmo era invadi-lo. E muito sangue iria correr antes de chegar o momento da redenção.
"Preparem as melhores montarias de seus estábulos", ordenou ele a seus comandantes. A magnífica civilização que construíra as grandes pirâmides havia perdido o rumo, destroçada por medíocres chefes guerreiros.
Durante duas décadas, Piye estivera à frente do próprio reino na Núbia, um trecho da África situado quase todo no atual Sudão. Mas ele também se via como o verdadeiro Senhor do Egito, o legítimo herdeiro das tradições espirituais mantidas por faraós, como Ramsés II e Tutmés III. Como Piye provavelmente jamais colocara de fato os pés no Baixo Egito, houve quem não levasse a sério suas reivindicações. Agora, contudo, Piye iria testemunhar com os próprios olhos a submissão do Egito decadente.
Suas tropas seguiram para o norte, navegando pelo rio Nilo. E desembarcaram em Tebas, capital do Alto Egito. Convencido de que havia uma maneira apropriada de travar guerras santas, Piye ordenou aos soldados que, antes do combate, se purificassem com um banho no Nilo, vestissem panos de qualidade e aspergissem sobre o corpo a água do templo em Karnak, um local santo para Amon, o deus solar com cabeça de carneiro, considerado por Piye como a sua divindade pessoal. Assim consagrados, o comandante e suas tropas passaram a enfrentar todos os exércitos que cruzavam pelo caminho.
No fim de uma campanha de um ano, todos os chefes guerreiros do Egito haviam capitulado - incluindo Tefnakht, o líder do delta, que enviou uma mensagem a Piye: "Seja clemente! Não posso contemplar o teu semblante nos dias de vergonha nem me erguer diante de tua chama, pois temo a tua grandeza". Em troca da própria vida, os derrotados conclamaram Piye a adorar em seus templos, a ficar com suas jóias mais refulgentes e a apoderar-se de seus bons cavalos.
O conquistador não se fez de rogado. E então, diante de seus vassalos que tremiam de medo, o recém-sagrado Senhor das Duas Terras fez algo extraordinário: após embarcar seu exército e seu butim, içou velas rumo ao sul, navegou de volta para casa, na Núbia, e jamais voltou ao Egito.
Em 715 a.C., quando Piye morreu, encerrando um reinado de 35 anos, seus súditos atenderam a seu desejo e o enterraram em uma pirâmide de estilo egípcio, juntamente com quatro de seus amados cavalos. Piye foi o primeiro faraó a ser sepultado dessa maneira em mais de 500 anos. É uma pena, portanto, que nada do semblante literal desse grande núbio tenha sobrevivido. As imagens de Piye nos elaborados blocos de granito, conhecidos como estelas, e que registram sua conquista do Egito, há muito foram apagadas. Em um relevo no templo da capital núbia de Napata, restaram apenas as pernas de Piye. Só temos certeza de um único detalhe físico do faraó: a cor de sua pele, que era negra.
Piye foi o primeiro dos chamados "faraós negros" - uma série de soberanos núbios que reinaram sobre todo o Egito durante três quartos de século, constituindo a 25a dinastia. Graças a inscrições entalhadas em estelas tanto pelos núbios como por seus inimigos, podemos ter idéia da imensa área do continente controlada por esses governantes. Os faraós negros reunificaram um Egito fragmentado e marcaram sua paisagem com monumentos gloriosos, criando um império que se estendia desde a divisa meridional na atual Cartum, seguindo na direção norte, até o Mediterrâneo. Eram poderosos o bastante para enfrentar os sanguinolentos assírios, e talvez com isso tenham salvo a cidade de Jerusalém.
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.