sábado, 8 de março de 2008

IGUALDADE DE GENÊROS ESTÁ DISTANTE, MAIS AINDA PARA AS AFRO-DESCENDENTES

Retirado do Portal Aprendiz

Juliadietrich

Entre as mulheres negras, a proporção de mortalidade materna é quase sete vezes maior do que entre as brancas. Na Região Norte do país, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 73% das trabalhadoras infantis são afro-descendentes. Três milhões de domésticas ganham até um salário mínimo. Todas elas mulheres e 90% delas negras. Menos de 15% do poder executivo brasileiro é composto por mulheres e, entre elas, são pouquíssimas as afro-descendentes.
Dia 8 de março. Mais um ano de luta das mulheres e mais um ano para refletir sobre a contínua exclusão de 14 milhões de pessoas, número este que representa a população feminina afro-descendente no país.
Em todas as áreas é sensível a diferença salarial entre homens e mulheres e, em especial, entre elas e mulheres negras. Segundo as informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a proporção de mulheres em condições insalubres de trabalho é 13% maior que a dos homens, e a de mulheres negras é 23% maior que a dos homens brancos. Segundo pesquisa divulgada hoje pelo IBGE, uma trabalhadora brasileira recebe em média R$ 956,80 por mês por uma jornada de 40 horas semanais. O valor representa 71,3% do que um homem recebe pelo mesmo trabalho.
De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, 21% das mulheres negras são empregadas domésticas. Dessas, apenas 23% estão registradas. Em contrapartida, 30% das 12,5% mulheres brancas que são empregadas domésticas têm carteira de trabalho assinada.
Como uma das muitas bandeiras de luta do movimento das mulheres negras, uma das fundadoras da organização não-governamental Criola, instituição que visa a inserção de mulheres negras como agentes de transformação, Jurema Wernek, acredita que é preciso reconhecer que existe um apartheid violento no Brasil. Tal processo faz com que a imensa maioria das afro-descendentes não tenham acesso às riquezas geradas por elas próprias.
“É preciso confrontar também as bases do sistema econômico-financeiro que se apóia na super-exploração da mão-de-obra das mulheres negras, para gerar riquezas astronômicas para a população branca. Lutar por direitos e salários iguais também permitirá fazermos a diferença”, reitera.
Acesso
A grande dificuldade das afro-descendentes na conquista de boas posições no mercado de trabalho não impediu, porém, que por meio de batalhas constantes, algumas chegassem ao poder executivo nacional. Hoje, as mulheres afro-descendentes representam cerca de 10% do quadro dos ministérios brasileiros.
Porém, ao mesmo tempo em que as mulheres negras ascendem socialmente e nas escalas de poder, aumentam as dificuldades, especialmente por causa do pouco espaço e a conseqüente concorrência. “As pessoas afro-descendentes construíram esse país e, assim como qualquer outro ser humano, podem padecer de erros e dificuldades. O problema é que a própria eleição passa pela idéia de que é um favor e não um direito do afro-descendente participar dos espaços de poder”, explica a professora de História Africana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Patrícia Santos Sherman. “Por outro lado, a pessoa negra que chega a esses espaços se sente como se tivesse que ser mais exemplar que os outros. É uma vida extremamente desconfortável”, complementa.
Ela, que foi aprovada em concurso e trabalhou como professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que sempre sofreu muitos preconceitos por parte daqueles que a encontravam nos campi. “Várias vezes vinham e perguntavam se eu era funcionária do técnico administrativo. Não que haja algum problema com isso, mas nenhum deles reconhecia a possibilidade de uma mulher negra ser professora universitária”, conta, ressaltando que não sofre preconceitos por parte dos colegas professores.
Para ampliar o acesso das mulheres negras ao poder, a coordenadora da Criola, Jurema, explica que no campo do ativismo é preciso maior articulação e atuação política, ampliação da capacidade de formulação, negociação e monitoramento de propostas e medidas de superação dos enormes entraves econômicos para o exercício da ação política. “Já para as instâncias de poder, é preciso medidas de ação afirmativa e outras que inibam o racismo, o sexismo e a lesbofobia institucionais”, avança, reconhecendo, porém que as cotas são apenas uma das inúmeras ações necessárias.
Saúde
A falta de condições dignas de trabalho, de acesso ao poder e a manutenção dos círculos de pobreza no país têm inúmeras conseqüências para a saúde da mulher de baixa renda e maiores ainda para as mulheres negras de classes sociais mais baixas. Como exemplo desse cenário, está o fato de que duas vezes mais mulheres negras (46,27%) do que mulheres brancas jamais fizeram um exame de mama, se tornando assim vítimas potenciais de tumores não detectados.
Dada a desigualdade no atendimento da saúde, as mulheres negras sofrem com uma maior incidência de miomas uterinos, hipertensão, diabetes tipo II, anemia e câncer de colo de útero, sendo que este último é causado especialmente pelo papiloma vírus humano (HPV). A ferida uterina causada pelo HPV leva até dez anos para se transformar em tumor maligno, mas como a mulher negra tem menor acesso aos exames ginecológicos, ela se torna a principal vítima da doença.
Quando o assunto é Aids, a situação das mulheres, principalmente negras, também é grave e só piora. Na década de 1980, constatava-se uma mulher a cada 28 homens infectados. Hoje, a cada 1,4 homens infectados há uma mulher. Segundo pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, 76% dos formulários de óbito por Aids preenchidos eram mulheres, sendo que 49% eram negras.
Por essas e outras causas, embora tenha melhorado nos últimos anos, a expectativa de vida da mulher negra é oito meses menor que a da branca. “É preciso enfrentar o racismo e seus efeitos. É preciso realizar campanhas de prevenção com linguagem adequada, mecanismos específicos de acesso aos serviços de atenção básica, como papanicolau e mamografia. Por isso, as mulheres negras devem integrar os conselhos de saúde, tanto nacional quanto local, distrital e em cada posto e hospital”, explica Jurema.
Patrícia que teve vários miomas, emocionada, não esconde seu sofrimento. “Fui a sete ginecologistas, acompanhada de meu ex-marido. Seis deles afirmaram que eu deveria aproveitar a cirurgia e tirar meu útero”, conta, explicando que foi vítima de racismo por parte dos doutores que sugeriam, de forma camuflada, a histerectomia (retirada do útero). “Eles, em nenhum momento, se preocuparam se eu gostaria de ser mãe. É a idéia de que uma negra não precisa ser mãe porque vai colocar mais um negro no mundo”, conta.
Direitos
Segundo o 4º parágrafo do 3º artigo da Constituição Brasileira, “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. E, segundo o 1º parágrafo do artigo 5º desta mesma Carta, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
“Assim, a mudança social que almejamos se realiza no confronto em diferentes níveis: o ideológico, de políticas públicas e da sociedade. O desenvolvimento de políticas públicas adequadas às necessidades e direitos das mulheres negras é um viés fundamental a que temos nos dedicado mais intensamente nos dias atuais. Mas sem abrir mão do confronto ideológico. Como exemplo está a criação e aprovação de um eixo de trabalho específico de Enfrentamento do Racismo, Sexismo e Lesbofobia ao Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, proposto e aprovado na II Conferência Nacional pelas ativistas negras presentes. Este eixo reforça a perspectiva de que todas as políticas a serem desenvolvidas devem ter, além de metas gerais para todas as mulheres, metas específicas para as negras e índias”, conclui Jurema.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.