terça-feira, 11 de março de 2008

UNB MUDA SISTEMA QUE IDENTIFICA NEGROS E NÃO NEGROS

Retirado do Globo on line

Sistema de entrevistas para comprovar condição de negro para aprovação no sistema de cotas da UnB estréia com críticas
Publicada em 10/03/2008 às 15h49mRodrigo Vizeu - O Globo Online

BRASÍLIA - O sistema de cotas para negros da Universidade de Brasília (UnB) contou com uma mudança para confirmar a afro-descendência de seus candidatos no último vestibular, cujo resultado foi divulgado em 20 de fevereiro. Em vez da análise por foto, como era feito até metade de 2007, o interessado passa agora por uma entrevista para provar que é, como exige o edital do concurso, "negro de cor preta ou parda". Caso não seja, é eliminado e não pode concorrer às vagas do sistema universal. O novo modelo - criado para evitar erros como o caso em que um gêmeo foi considerado negro e outro não - já recebeu críticas em sua estréia.

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- É extremamente superficial e subjetivo. Acho que meu irmão, que é mais claro que eu, não passaria - afirma Airon Braga, de 18 anos, que tentou uma vaga para psicologia mas não passou, apesar de ter sido aprovado na entrevista de cotas. Segundo participantes, a entrevista consiste em três perguntas: qual o nome, por que se considera negro e por que concorre pelas cotas. O entrevistado é filmado durante todo o tempo, que varia de um a três minutos. E só. Em dois dias de entrevistas, foram ouvidos 225 candidatos para o campus Plano Piloto. Um total de 96 foram eliminados, sendo 62 por falta e 34 por não serem considerados negros por uma banca de especialistas - todos negros - de nomes não divulgados.

" A entrevista consiste em três perguntas: qual o nome, por que se considera negro e por que concorre pelas cotas "

O estudante Mário Ribeiro, 19 anos, reclama da falta de critérios de definição da cor e afirma que o Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), que organiza o vestibular da UnB, errou a permitir que os candidatos que deixavam a sala de entrevista tivessem contatos com aqueles que esperavam sua vez, que corriam ávidos por informações sobre o que acontecia no processo. Mário, que é morador de Goiânia, conta ainda que era grande a mistura de cores na sala de espera.
- A gente percebe que tem muita gente lá que não tem nenhum traço e pega um solzinho, raspa a cabeça, faz dread ou rastafari. Lá conheci uma moça que não tinha nenhum traço. Ela me disse que ainda estava no segundo ano e que estava fazendo pelas cotas porque não era pra valer e poderia ser eliminada. Disse que como não fazia diferença, arriscou, mas que não faria isso no terceiro ano - conta o estudante, que passou na entrevista mas não conseguiu um lugar no curso de Engenharia Mecânica.

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- Tinha de tudo que você imaginar, todas as misturas, de raças e cores: índio, moreno claro e branco quase do olho azul. No meu grupo tinha um cara que, na hora em que ele entrou, todos riram quando viram que ele era muito branco. Até decorei o nome dele para ver se ele ia passar. E ele passou - completa Airon Braga. O jovem diz que fez pelas cotas porque não tinha estudado, mas que, na verdade, é contra o sistema:
- Esse sistema não tem nada a ver. Eu estudei a vida inteira em colégio particular, então tenho muito mais chance de passar do que muitas pessoas de etnia branca que estudaram em colégio público e tiveram ensino precário.
Classificando o sistema de entrevistas como "bizarro", o ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Educação José Goldemberg entende que o modelo é uma tentativa de melhoria em relação ao antigo, mas argumenta que a idéia de cotas é um erro por ferir a Constituição ao colocar outro fator à frente do mérito.
- Quando você começa a aperfeiçoar um negócio que está errado você vai entrando num túnel sem saída. Eu acho que as entrevistam agravam mais ainda a obrigatoriedade de as pessoas se declararem como de cor, o que acho uma coisa perversa. Você forçar as pessoas a entrarem em uma categoria é uma atitude racista - afirma Goldemberg, que prevê problemas no futuro do sistema de entrevistas, como fraudes e contestações de candidatos derrotados. " Quando se começa a aperfeiçoar um negócio que está errado, entra num túnel sem saída (José Goldemberg, ex-ministro da Educação) "
A professora de Comunicação Dione Moura, que participou da criação das cotas na UnB, afirma que o sistema de fotos - considerado adequado por ela - mudou para o de entrevistas após a "incompreensão da comunidade externa" em relação ao modelo anterior. O formato atual teria, de acordo com a acadêmica, maior aceitação entre o movimento negro, imprensa e candidatos. Dione afirma que a universidade está aberta a aprimoramentos e que pior seria não investir nas cotas.
- O maior erro seria o histórico, que seria não adotar a política de inclusão. A UnB foi, com humildade e orgulho, a porta de entrada de uma grande modificação no sistema educacional brasileiro. Diziam que acirraria o racismo, mas nada disso aconteceu. Vemos que a universidade é a mesma, apenas tem maior diversidade.

" O maior erro seria o histórico, que seria não adotar a política de inclusão (Dione Moura, professora) "

A professora sai em defesa dos estudantes que elaboram formas de tentar burlar os entrevistadores. Segundo Dione, eles não podem ser condenados pela atitude.
- Ele é fruto de muitos anos de sonegação de identidade e de um dia pro outro ele é chamado a se identificar. E durante muito tempo ele foi identificado negativamente, desde lá o teatrinho, quando o menino negro não era o príncipe. Eles são netos, trinetos de uma geração que lá atrás se desentendeu. É claro que isso não se constrói por edital, é algo artificial. Mas as cotas ajudam em um reajuste.

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