Retirado do site Fazendo Média
22.06.200839
Por Eduardo Sá, da redação
No dia 22 de novembro de 1910 estourava uma rebelião no Rio de Janeiro: eram os marinheiros indignados com os castigos físicos que lhes eram aplicados em função de desobediências aos seus superiores que lhes subordinavam a tarefas desumanas. Quase todos eram negros e o procedimento evidenciava a persistência de mecanismos da escravidão abolida apenas 22 anos antes do acontecimento para preservarem a hierarquia militar.
Os marujos vinham se organizando para o levante até o dia em que o marinheiro Marcelino Rodrigues foi penalizado perante seus companheiros com 250 chibatadas. Apanhou mesmo desmaiado até o fim de sua sentença, precipitando a reação dos rebeldes para horas depois.
O episódio ocorreu no encouraçado Minas Gerais sob o comando de João Cândido, vulgo “Almirante Negro” graças a sua maestria, onde os rebeldes foram retirando todos os oficiais e prendendo ou assassinando aqueles que resistiam até dominarem quase todos os navios de guerra.
Militarmente mais fortes, sitiaram a cidade fazendo suas reivindicações ao governo, na época de Hermes da Fonseca, a fim de acabarem com a tortura disciplinar instalada na marinha, exigindo o fim das agressões cometidas com chibatas e melhores condições de trabalho.
Muitos cidadãos, com medo, fugiram para Petrópolis, e o governo pressionado decretou por intermédio do senador Rui Barbosa a anistia dos revoltosos que, sob comando de João Cândido, entregaram suas armas, atracando no litoral carioca. Mas, ao se entregarem em terra, desarmados, foram traídos pelas autoridades, sendo todos exonerados da corporação e presos nos fundos dos navios e prisões subterrâneas na ilha das cobras.
No dia 9 de dezembro os marinheiros tentaram articular uma insurreição na ilha das cobras que rapidamente foi reprimida e de lá João Cândido foi encaminhado para um hospício onde ficou até 1912.
Segundo documento arquivado na casa de Rui Barbosa, o escritor Oswaldo de Andrade relata a dificuldade que a imprensa enfrentava para defender os marinheiros oprimidos, pois “o jornalista Aparício Torelli, o Barão de Itararé, tentou publicar uma crônica do feito e foi miseravelmente assaltado por oficiais da nossa Marinha de Guerra, que o deixaram nu e surrado numa rua de Copacabana”. Hoje a mesma dificuldade é encontrada para evidenciarmos as opressões e omissões que as comunidades de baixa renda estão submetidas.
O “Almirante Negro” em liberdade foi perseguido muitas vezes, foi marginalizado, ficou sem aposentadoria e morreu aos 89 anos como vendedor de peixes na Praça Quinze sem sua patente de marinheiro. Somente no mês passado, através de um projeto de lei criado pela Senadora Marina Silva, é que João Cândido e os demais participantes da revolta foram anistiados. Esperamos também que suas famílias sejam recompensadas por tudo que passaram após às prisões.
Essa matéria não foi elaborada para reacender chamas tampouco tocar na ferida de ninguém, mas para provocar reflexões sobre um fato da nossa história e resgatar a dignidade humana de um líder que lutou por uma causa justa e somente 98 anos depois, já morto, teve seu devido reconhecimento histórico.
No dia 22 de novembro foi inaugurado um busto em sua homenagem nos jardins do Museu da República que seria erguido na Praça Quinze onde ocorreu a revolta, mas por empecilhos impostos pelo prefeito César Maia não foi possível removê-lo para o local em que parte de suas raízes se encontram.
“Ele nunca levou uma chibatada, mas não achava certo que seus companheiros sofressem aquele ato infame e ficava assistindo junto à oficialidade no convés, até o dia que um marujo levou 250 chibatadas e ele deu o basta”. Adalberto Nascimento Cândido, mais conhecido como Cândinho na ABI, onde trabalha há 55 anos, é o filho mais novo do “Almirante Negro” e concedeu um entrevista ao Fazendo Media, expondo as dificuldades que sua família passou após o levante e a gratificação que tem pelo reconhecimento da sociedade, por toda uma luta que seu pai enfrentou injustamente.
FM - Apesar de você não vivenciar a época como você vê o que ocorreu?Cândinho - O processo vem desde que ele foi anistiado e não tinha mais nada a pagar. Mas continuou por que ele foi preso, foi para o hospício. Dois anos depois foi absolvido e passou por isso tudo, sem ter que ter passado por que desde a anistia não tinha mais nada contra ele. Até o direito de amar a Marinha ele não teve.Em algum momento ele teve algum espaço frente à opinião pública?
Não teve espaço, ficou isolado completamente. Ficou na Marinha 17 anos e foi colocado na rua. Os colegas dele foram fuzilados no navio satélite em alto mar e levados para os seringueiros na Amazônia. Ele só não foi também por causa da opinião pública.
E como que está esse processo de anistia?
Essa anistia é a afirmação da anistia de 1910, que o presidente estava acuado e teve que ceder, mas aí teve o golpe e só agora 97 anos depois essa mesma lei vai funcionar. Eu não sei o que vai acontecer. Estou esperando chegar dia 24, que é o aniversário dele, para saber, ela foi aprovada aqui na Câmara e está agora lá no Congresso.
E a imagem dele na marinha?
A Fundação Banco do Brasil junto com a Petrobrás e o Ministério da Cultura estão fazendo um livro para distribuir nos colégios, bibliotecas, Internet. Então eu autorizei a pesquisa na Marinha, pois há pouco tempo uma lei federal permitiu que qualquer parente pudesse requerer qualquer documento em repartição pública, antes proibido para a gente.
Fizeram um monumento em sua homenagem há pouco tempo...
Foi inaugurado dia 22 de novembro no Museu da República, porque um país sem história não é um país. A Marinha não pode esconder por que o povo quer história e não coisa escondida.
Ainda mais pela causa que ele lutou
É, pela causa e ele nunca levou uma chibatada. Naquela época os homens tinham determinação e ninguém entregava ninguém. Tinha um comitê aqui no Rio, e a conspiração estava só esperando o momento; os homens de antigamente não precisavam assinar nada para a palavra valer.
Quando foram para a Inglaterra onde ficaram dois anos tiveram contato com os sindicalistas e voltaram com outra mentalidade, mais forte, e tinham marcado para setembro, só que choveu quando teria uma parada naval, então ficou adiado até o dia que o marinheiro levou 255 chibatadas.
Tiradentes, Frei Caneca, seu pai inclusive, merecem o maior respeito da sociedade brasileira...
Cada um fez sua parte na história do Brasil, então meu pai fez a parte dele e agora está tendo o retorno da sociedade em geral. Estão fazendo tese de doutorado, tem uma professora da França desenvolvendo um trabalho, vão fazer um longa-metragem depois de três curtas já produzidos, estão dando continuidade. A família fica gratificada com esse reconhecimento por toda uma parte do país.
Papai passou por esse sacrifício todo sustentando uma família com 8 filhos, chegando de madrugada todo dia e saindo cedo no dia seguinte. Ele nunca se curvou a nada, era um líder nato por que líder não se faz, ele já vem de natureza com aquilo e ele teve coragem, determinação e sobretudo dignidade que é o essencial do ser humano.
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.