Retirado do site do Maurício Pestana.
por Maurício Pestana 12 de junho de 2007
Recentemente, em entrevista a respeito da minha mais recente publicação, ” Revolta dos Búzios – Uma História de Igualdade no Brasil”, o brilhante jornalista José Paulo Lanyi desferiu-me uma pergunta que jamais imaginei pudesse causar tantos comentários pró e contra a presença de negros nas redações.
Respondi que, de acordo com minha experiência em todas as redações por que passei, a realidade era a quase inexistência da presença negra . Disse-lhe que atribuía isso a vários fatores, que o principal talvez fosse a falta de qualquer tipo de política de inserção de negros nas universidades e que isso não era um caso isolado no jornalismo brasileiro.
Estamos fora de qualquer posto de comando, decisão e estratégico da mídia, da política, do comércio, da indústria, enfim, da economia brasileira. Mesmo sendo quase 50% da população deste país, ocupamos hoje um percentual insignificante dos bancos escolares nas universidades . Só para citar um exemplo: pesquisa realizada recentemente na USP- Universidade de São Paulo demonstrou que apenas 1,3% dos alunos da mais importante universidade brasileira são negros.
Discutir de forma clara, objetiva, sem ranço e preconceitos a aplicação de ações afirmativas e cotas no Brasil tem sido uma tarefa difícil para ativistas que lutam por um país justo e menos desigual . É impossível entrar nessa discussão sem levar em conta aspectos históricos, políticos , econômicos, sociais e culturais do povo brasileiro . Aliado a esse estudo há de se pensar também a questão racial, sim, mas pelo prisma do principal vitimado dessa problemática : o próprio negro.
Todas as pesquisas dos mais respeitados órgãos, como IBGE, IPEA e DIEESE, apontam para a cor da pele no Brasil como um forte demarcador de posição e decisiva no ingresso , permanência e ascensão do negro no mercado de trabalho, na maioria das vezes independentemente do grau universitário deste “cidadão”.
São dados de órgãos respeitados obtidos por técnicos, e não por militantes da causa negra . Os relatórios são quase unânimes em afirmar que sem uma política clara e objetiva de inclusão do negro não haverá a menor chance de quebrar a barreira da exclusão , preconceito e do racismo brasileiro. > > Em uma sociedade como a nossa em que quase todos estão perdendo alguma coisa e apenas uma minoria domina os principais setores da economia , da política e conseqüentemente da vida nacional , o simples fato, a mais remota hipótese de que uma medida tentará reparar parte das injustiças históricas com uma minoria discriminada - e que boa parcela da população ” em tese ” ficará de fora- tem causado enorme barulho e revolta daqueles que se sentem aviltados nos seus direitos e também dos preconceituosos enrustidos , que nunca defenderam nada, mas que agora saem da toca defendendo escola fundamental pública de qualidade para os negros se prepararem melhor (sem cotas); saem também na defesa dos brancos pobres (com cotas sociais); denunciam racismo às avessas e uma série de outras baboseiras sem o menor fundamento teórico ou técnico.
Os próprios técnicos do IPEA apontam que mesmo com ensino fundamental de qualidade a comunidade negra levaria décadas para reverter a desigualdade secular em que se encontra neste país.
Raros são os jornalistas que procuram pesquisar a fundo a questão levando em consideração a histórica exclusão econômica, política e social do negro no Brasil. Mais raros ainda são aqueles que escrevem ou se dedicam a fazer um estudo profundo sobre o 14 de maio de 1888, o dia mais longo para o negro no Brasil, uma vez que ele ainda não acabou, pois, após mais de 350 anos de trabalho para a construção desta nação, fomos jogados às margens da sociedade sem qualquer reparação ou política compensatória, ou inserção na nova economia.
Raríssimos são os jornalistas como Miriam Leitão, da Rede Globo, que mesmo de forma solitária tem a coragem de dizer que o Brasil só resolverá seus problemas econômicos no dia em que encarar seus problemas raciais, pois essa questão é sim fator de desigualdade, e sem o seu enfrentamento estaremos fadados a não sair do Terceiro Mundo.
Raros também são aqueles capazes de admitir que durante toda a sua carreira poucos foram os seus colegas negros de redação não pertencentes ao “quadro negro” de manutenção, como seguranças , copeiros , ascensoristas e às vezes recepcionistas.
Dentro desta linha , raros, incluem-se também os veículos de informação capacitados para um debate franco, aberto, sem conceitos já preestabelecidos, uma vez que lhes falta o mais importante: material humano que lhes garanta imparcialidade no assunto.
Porém, a “tradição” da imparcialidade contemporânea da imprensa brasileira tem demonstrado em alguns casos um grande esforço em entender e abordar de forma justa essa questão.
A última tentativa quase bem-sucedida foi da revista Superinteressante, que na edição de maio (talvez por conta do 13 de maio) publicou extensa matéria sobre as cotas nas universidades brasileiras. Tentando uma imparcialidade total , a revista abre espaços para os prós e para os contras das cotas.
Analisando tecnicamente a matéria podemos perceber que foram dadas 175 linhas de texto para os argumentos favoráveis às cotas e 214 linhas para os contrários às cotas . O lado positivo da matéria é a pesquisa que a revista faz na própria redação, em que constata a inexistência de negros . A Superinteressante, desde 2004, é 100% branca, ou seja, não existe um só negro na redação! Parabéns para a autocrítica! E você , já avaliou a cor da sua redação?
(*) Maurício Pestana é publicitário e cartunista. Tem trabalhos publicados no Brasil e no exterior. É editor do site www.mauriciopestana.com.br.
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.