quinta-feira, 30 de outubro de 2008

AMERICANOS VISTOS POR BRASILEIROS

Retirado do site Com Ciência.

Jogos de espelhos: americanos vistos por cientistas sociais brasileiros
Por Carolina Cantarino, Caxambu, Minas Gerais
29/10/2008

Pensar a experiência americana a partir da experiência brasileira, subvertendo a lógica dos estudos comparativos entre Brasil e Estados Unidos. Essa foi a proposta da mesa-redonda “Raça e nação: os Estados Unidos visto por brasileiros”, ocorrida na manhã dessa quarta feira, na 32ª. Reunião Anual da Anpocs.
“Historicamente, relatos de viagem têm sido importantes para a constituição de uma idéia de América, produzindo um jogo, inclusive, entre o que se vê e o que já foi visto por outros olhares”, avalia Lucia Maria Lippi Oliveira, socióloga da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), ao resgatar a experiência de escritores e intelectuais brasileiros nos Estados Unidos, que escreveram sobre ela: Anísio Teixeira, Alceu Amoroso Lima, Érico Veríssimo, Vianna Moog.
Para Monteiro Lobato, inclusive, essa experiência teria motivado a criação de
O presidente negro, espécie de ficção científica eugênica publicada em 1926, que ganhou uma reedição recentemente, incentivada pela presença de Barack Obama na corrida presidencial americana.
João Feres Júnior, cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), discutiu as representações sobre a América Latina que circulam na academia norte-americana, particularmente nos chamados Latin American Studies. Ao fazer um levantamento bibliométrico dos livros e revistas publicados pelas principais editoras universitárias americanas, Feres analisou como as imagens recorrentes nas capas remetem às culturas pré-colombianas: cerâmicas, desenhos e acessórios astecas, maias ou incas. Deste modo, seria reforçada uma oposição temporal entre estadunidenses e latino-americanos, tidos como primitivos, atrasados, pré-modernos, pré-industriais.
Outras categorizações vão sendo reproduzidas, ao se tentar valorizar as diferenças dos latino-americanos em relação aos Estados Unidos, tais como a idéia de irracionalidade e paralisia histórica. “A defesa do subalterno, as boas intenções que orientam o ‘politicamente correto’, acabam reproduzindo conteúdos pejorativos, aproximando a América liberal da América conservadora”, afirma Feres Júnior.

Estereótipos
O esforço em romper com os estereótipos que os brasileiros, por sua vez, produzem sobre os Estados Unidos também é necessário, principalmente para os chamados estudos das relações raciais, nos quais a comparação entre os sistemas de classificação racial entre os dois países é sempre citado como uma de suas principais diferenças: os Estados Unidos seriam birraciais, dividindo-se – mesmo após o fim da segregação racial e do movimento pelos direitos civis – entre “brancos” e “negros”. Os brasileiros, em oposição, seriam multirraciais, valorizando a miscigenação.
Questionar essas generalizações através de uma comparação entre a classe média negra americana e a brasileira foi a proposta de Angela Figueiredo, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “No Brasil, quando caracterizamos os Estados Unidos como uma sociedade birracial, negligenciamos as marcações de diferenças internas à comunidade negra, que distingue os mestiços a partir das diferenças de cor e dos cabelos”, ressalta Figueiredo. Mas a mestiçagem não deixa de ser um tabu para os negros americanos, que tendem a associá-la à violência sexual da escravidão.
Os negros americanos, segundo ela, reivindicam intensamente a história da escravidão para falar sobre o passado de suas famílias. Figueiredo lembra que, nos EUA, “existe uma memória da dor muito presente, diferentemente do Brasil, onde queremos esquecer, apagar esse passado, como se pode notar nas comunidades quilombolas, por exemplo, que não querem falar sobre escravidão”.
Além dessa relação com a história, a questão de classe também atravessaria as diferenças entre a classe média negra americana e a brasileira. No Brasil, essa classe média ainda constitui uma primeira geração que, apesar da ascensão social, ainda mantém vínculos próximos com familiares pobres, por exemplo, o que favorece uma sociabilidade diferente da classe média branca. Nos Estados Unidos, as desigualdades de classe atravessam a comunidade negra, favorecendo a distância – inclusive no convívio social – entre negros pobres e negros da classe média.

Reproduzindo identidades
Durante a mesa redonda, a antropóloga da Universidade de São Paulo (USP), Lilia Schwarcz, provocou o debate ao questionar se, apesar da inversão nas perspectivas – brasileiros olhando para os americanos – uma lógica identitária, que opõe a identidade brasileira à identidade norte-americana, não persistiria orientando o debate.
Além disso, lembrou que não se pode relevar o modo como os brasileiros e latino-americanos se reapropriam e ressignificam os rótulos e estereótipos atribuídos a eles. Carmem Miranda, por exemplo, não teria sido uma vítima da indústria cultura norte-americana. “Não podemos desprezar os movimentos de refluxo que existem em relação ao fluxo, os novos significados que as identidades ganham em diferentes situações de agenciamento”, argumentou Schwarcz.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.