Retirado do site da Folha de SP.
Número de pedidos no instituto deve aumentar; extensão das terras reivindicadas assusta proprietários rurais
Roldão Arruda
Segunda-feira, 6 outubro de 2008
O governo federal anuncia publicamente - e com festas - nesta semana o reconhecimento do território quilombola Comunidade de Povoado Tabacaria, em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas. Com 410 hectares, não é uma das maiores áreas reivindicadas pelas comunidades remanescentes dos quilombos. Mas o governo está empenhado na divulgação do fato porque quer demonstrar que está atento às reivindicações dos quilombolas. “Os processos de reconhecimento dos territórios estão andando”, assegura o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart.
Além disso, trata-se de uma região histórica, nas proximidades do local do lendário Quilombo dos Palmares. Moradores do povoado chegam a se declarar descendentes dos negros que nos séculos 16 e 17 transformaram a região no grande símbolo da resistência à escravidão.
No fundo, é um novo capítulo na disputa em torno da demarcação das terras de quilombos no País - determinada pela Constituição de 1988. De um lado estão as comunidades negras, reivindicando áreas que teriam pertencido a seus antepassados. De outro, entidades representativas de ruralistas, que vêem no movimento uma ameaça à propriedade privada e ao agronegócio.
Não é briga pequena. Já tramitam oficialmente no Incra 736 processos com pedidos de reconhecimento de terras de remanescentes de quilombos. Não se sabe com exatidão o total de terras que eles envolvem - porque o volume aumenta ou diminui a cada passo da discussão, em cada processo. Mas é possível ter uma idéia a partir do que já foi executado.
As 31 portarias públicas de reconhecimento de terras emitidas até hoje pelo governo totalizaram 188 mil hectares. Isso representa, na média, 6 mil hectares por quilombo. Se esse número for mantido para os 736 processos em tramitação, chega-se ao volume total de 4,4 milhões de hectares - área equivalente à sexta parte do Estado de São Paulo, que tem 23,4 milhões de hectares.
Pode-se chegar a um total menor, se for levado em conta que a maioria dos territórios reconhecidos se situa no Maranhão e no Pará, em áreas de terras públicas e de grande extensão. Mas, por outro lado, vale lembrar que os 736 processos no Incra são apenas uma pequena parte do que pode vir por aí.
Segundo a Fundação Palmares - por onde circulam os pedidos iniciais de reconhecimento - e a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, deve chegar a 5.500 o número de grupos remanescentes de quilombos espalhados pelo País. De acordo com estimativas de um especialista do Incra, se todos fossem atendidos, o volume total de terras chegaria a quase 24 milhões de hectares - o Estado de São Paulo inteiro.
São números hipotéticos. Mas que assustam os proprietários rurais. Do outro lado, as comunidades quilombolas vêem nesses processos a oportunidade de resgate de direitos desbaratados ao longo de séculos.
No caso do Povoado Tabacaria, a antropóloga Mônica Cavalcanti Lepri, do Incra, conta que os remanescentes de quilombos ocupavam largas áreas de terras, até o avanço da pecuária na região, nos anos 70. “As 89 famílias de quilombolas acabaram confinadas em um hectare, numa situação miserável”, diz. “Agora terão 410 hectares.”
Como se trata de uma área de minifúndios, as desapropriações para a formação do território quilombola incidiram sobre pequenos proprietários.
O governo tenta se equilibrar. Na quarta-feira da semana passada, um dia antes de definir o reconhecimento de Tabacaria, publicou no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 49, do Incra, que introduz várias alterações no processo de reconhecimento e demarcação das terras - todas elas atendendo a reivindicações dos ruralistas.
Num dia, portanto, acena para os proprietários rurais. E, no outro, para os quilombolas, que não estão satisfeitos e já decidiram denunciar o governo na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A acusação é de desrespeito à Convenção 169, que trata dos direitos de povos indígenas e tribais e da qual o Brasil é signatário. “Discordamos das mudanças na instrução normativa e também do como fomos consultados”, diz Jô Brandão, da Coordenação Nacional. “Também tínhamos acertado com o governo que ele publicaria, ao lado da nova instrução normativa, os pontos dos quais discordávamos. Isso não foi feito.”
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.