domingo, 30 de novembro de 2008

A MARCHA QUE MUDOU O MOVIMENTO NEGRO

Retirado do excelente site Questões Negras. Para ler o texto no site clique aqui ou baixe em formato PDF clicando aqui.

Amauri Mendes Pereira*


Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia




Espero que vocês compreendam, o problema não é comigo, é com os verde. (HÉLIO SABOYA, então Secretario de Polícia Civil do Rio de Janeiro)
Aludindo desta forma às pressões do Comando Militar do leste que prometia reprimir a manifestação, Hélio Saboya, então Secretario de Polícia Civil, em 1988, visivelmente preocupado, repetia esta frase aos membros do comando da marcha, que foram convidados por ele para conversar em seu gabinete horas antes do evento.
O susto
No dia 11 de maio de 1988, o Centro da cidade amanhece ocupado pro forças militares. Os pedestre não entendiam o que estava acontecendo e os boatos corriam soltos. O fato é que tamanho aparato visava impedir que a Marcha contra a farsa da abolição, programada para o fim de tarde. Para tal, os militares cercaram e depredaram os palanques montados pela Riotur em frente à Central do Brasil, reprimiram e prenderam militantes que chegavam dos subúrbios e da Baixada Fluminense nos terminais ferroviários e destruíram faixas, cartazes etc e se posicionaram em maior número frente à igreja da Candelária e início da Av. Presidente Vargas, onde seria a concentração.
A sua principal desculpa seria impedir para impedir a marcha - a alegação de que pretendíamos agravar a imagem de Duque de Caxias - caiu por terra no momento em que concordamos avançar pela pista do lado contrário da avenida - passaríamos quase a cem metros daquela estátua - e mesmo assim, eles permaneceram irredutíveis.
O que, de fato, levara os militares a reprimir a nossa manifestação? Uma resposta inicial era a perplexidade com o grau de mobilização alcançado pelo Movimento Negro(eles possuíam informações). Dificilmente poderiam controlar evento com a envergadura que advinhavam. Mas é claro que não era apenas isso. Conversas posteriores, deixavam patente o racismo. A maioria deles não perdoaria a " ousadia" do Movimento Negro. Afinal, "o centenário da Abolição deveria ser festivo, comemorando a integração racial. As reclamações desses negros não têm sentido, são antipatrióticas... Além disso, aquela postura idelógica percbia outras implicações. Pela primeira vez, o percurso da marcha invertera o sentido usual das manifestações políticas - seguíramos na mesma direção do "mar de gente" que abandona a cidade no horário do rush(da Candelária à Central), o que potencializaria a nossa manifestação, ampliando o alcance de nossas mensagens e o nosso êxito. Ainda mais que finalirariamos, em grande estilo, no maior ponto de circulação de massa do Rio de Janeiro.

A construção
Compreensivelmente, a maioria dos militantes comemorou o sucesso estrondoso daquela ação, acompanhada por máximo interesse pela mídia nacional e internacional - "todo mundo viu o racismo no Brasil" -, vibrava a massa! Mais de 20 mil pessoas. O comando da Marcha, no entanto, cometeu um erro fundamental: se desmobilizou no fim da marcha ao invés de concentrar esforços para multiplicar a repercussão e veicular a sua voz, consagrando a sua visibilidade e a conquista de espaço.

Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia

As razões para a insensatez dos dirigentes estão nas diferentes concepções que orientam a militância quanto ao papel do M ovimento Negro na Luta Contra o Racismo e a importância dessa transformação da sociedade brasileira.
Poucos perceberam que havíamos conseguido algo inédito e de suma importância - estava nas mãos do Comando da marcha - se tornar o centro das atenções, no momento em que toda a sociedade " respirava" as emoções das memórias da escravidão/ablição, sem dúvida, a refrência histórica mais incrustada no âmago do povo brasileiro.


Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia

Nunca antes havíamos construído uma ação daquela forma- o entusiasmo da militância suoerando as desavenças e limitações das entidades, a partir de uma forma embrionária de organização muito mais ampla e ágil: os comitês.
Foram oito meses esde os primeiros contatos e a divulgação de uma postura estratégica crucial: não deveríamos nos preocupar com as atividades oficiais quase sempre diversionistas e desagregadoras em nosso meio. O mais importante era concentrar esforços na construção de um momento nosso, do Movimento negro. As alianças e adesões de outros setores viriam naturalmente ameida que definíssemos o nosso campo de força. O que determinou aquela posição fi a visão de que desde o início de 88, teríamos "os ventos a nosso favor": a) nível de sensibilidade social em função do Centenárioi, o quê obrigaria a mídia em geral a tratar do tema. B. O avanço da Consciência Negra e da Luta Contra o Racismo, capaz de respaldar um plano objetivo de mobilização. C) a existência de entidades negras fortes e de uma militância que se espalhava por vários setores da sociedade(foi fundamental a participação dos religiosos do Movimento Comunitário, de sindicalistas...) e por tod o estado do Rio de Janeiro.

Construção para quê?
Muita gente assistiu ao vídeo "A Marcha da Abolição", da Enugabirjo( Adauto e Vick). Nele se mostra claremnte o clima de terror impingido pelas forças policiais e militares. Quando o Comando da Marcha chegou ao local da concentração se deparou, por um lado, com a disposição da "massa", que não se intimidava; e por outro, com o assédio dos oficiais militares que "tinham ordens para impedir a Marcha e evitar o perigo da radicalização de ânimos e da degeneração do conflito aberto". A nossa decisão de concentrar e marchar de qualquer maneira instalou o impasse. Foi o próprio Secretario de Polícia Civil que veio negociar com o nosso deslocamento..."até onde o racismo ia deixar".
Menos de um quilometro separaram a alegria da vitória - Vamos caminhar, pessoal!- de uma decisão que violentou sonhos e vontades tanto tempo represadas.


Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia
Postado em gente a Biblioteca Estadual Celso Kelly, na Avenida Presidente Vargas, ao lado do Campo de Santana (barrado a passagem), um formidável contigente de PMs e soldados do Exército, por trás, viaturas empurrando a massa; pelas laterais, cercando completamente os manifestantes, mais soldados do Exército e PMs. Se multiplicavam as reclamções e pequenos rusgas
* Texto publicado em 1998 pelo jornal impresso Questões Negras, do Rio de Janeiro.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.