terça-feira, 25 de novembro de 2008

QUEM SE IMPORTA MESMO COM O QUE PENSA A FOLHA?

Retirado do site do IROHIN.

OPINIÃO
24/11/2008
Edson Lopes Cardoso

edsoncardoso@irohin.org.br

A empresa “Folha de S. Paulo” defende a “adoção de políticas universais em prol de uma verdadeira igualdade de oportunidades”. Posiciona-se francamente contra “políticas de cotas” e “ações afirmativas”. Afasta terminantemente o que considera ”afirmações artificiais de ‘negritude’ e divisões identitárias radicais numa sociedade que cada vez mais se vê como mestiça”.

Essa tomada de posição franca não é nova, mas cresce de importância quando expressa em editorial de uma edição que contém resultado de ‘pesquisa’ feita pelo Instituto Datafolha sobre preconceito racial (editorial FSP, edição de 23.11.08, p. 2).
De saída, impressiona como uma afirmação ‘artificial’ de negritude pode provocar divisões identitárias ‘radicais’. Eu pensava que ‘artificial’, que se opõe a ‘natural’, qualificando afirmação (de negritude), fosse indicação pela “Folha” da simulação com que os movimentos negros buscam esconder a real natureza (mestiça) da população brasileira.
Mas se provoca, ou pode vir a provocar, divisões radicais, talvez valesse a pena a “Folha” rever o artificialismo com que julga essa afirmação identitária de negritude.
Talvez, em lugar de disfarçar a natureza verdadeira de nossa composição étnico-racial, seja uma expressão de sua composição real e histórica, contraditória e conflituosa. Em vez de ser mera fachada ideológica, manipulada por grupelhos desprezíveis, talvez seja um conceito suscetível de ir muito além das aparências e penetrar na realidade político-institucional, econômica, etc., desse país injusto.
Coerente com esse desprezo pela ‘negritude’, o Caderno especial da “Folha” sobre racismo mutila a ação organizada da militância e suprime a Marcha Zumbi dos Palmares de 1995. Na cronologia exibida na p. 10 do referido Caderno, destaca-se o discurso de posse de FHC, um relatório do governo FHC, e a instalação do GTI pelo governo em 1996. Para completar, dois antropólogos (somos ainda o objeto predileto da antropologia) tecem ligeiras considerações sobre ‘o movimento negro brasileiro’, alguns clichês com grandes possibilidades de ampliar a ignorância dos leitores sobre o tema.
Artificializada a negritude e desprovido de fala o ativismo negro, devemos entender o sumiço da Marcha de 1995 como uma intervenção editorial de caráter político, coerente com os princípios adotados pela empresa “Folha”, com o objetivo de negar instituições e sujeitos que poderiam pôr em xeque a validade de afirmações, cronologias e processos explicativos.
São aquelas bem denominadas “omissões convenientes”, que favorecem as idéias defendidas pela empresa. Há, sem dúvida, deliberada omissão dos esforços realizados pelos negros para a superação das desigualdades raciais. Diante disso, a questão que se impõe é: que autoridade tem mesmo a “Folha de S. Paulo” para fazer pesquisa sobre o tema?
Os editoriais da Folha e suas reportagens têm revelado um desprezo pelo negro e suas instituições que é difícil imaginar que as posições defendidas pela empresa não influenciem questionários, procedimentos, amostras, resultados. Francamente, eu estou me lixando para o que pensa o Datafolha sobre racismo.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.