sábado, 26 de setembro de 2009

EFEITO OBAMA

Retirado da revista Isto É.

Especial
Há cada vez mais negros no topo das empresas brasileiras - e a presença de Barack Obama na Presidência dos EUA fortalece essa tendência. Mas o preconceito ainda está vivo no mundo corporativoPor Rosenildo Gomes Ferreira

Osvaldo Luís do Nascimento, diretor de RH da IBM. Ele está cursando mestrado em gestão de pessoas. Formado em engenharia eletrônica e pósgraduado em arquitetura de computadores
Edison Carlos Souza Dias, diretor-superintendente do banco HSBC, é um profissional com grandes responsabilidades. De sua sala na sede da instituição, em São Paulo, ele comanda um pequeno exército de 50 executivos que se dedicam à prospecção de negócios no rico interior do Estado. Admirado pela competência, refletida nos resultados sempre positivos de sua área, Dias é o retrato de uma mudança histórica no mundo corporativo. Ele é um dos primeiros negros a integrar o alto escalão de uma das maiores instituições financeiras do planeta. Melhor ainda: seu caso não é isolado.

Edison Souza Dias, superintendente executivo regional do banco HSBC. Cuida de clientes com faturamento anual acima dos R$ 25 milhões. Graduado em administração de empresas, ele fez diversos cursos de especialização em finanças

Um levantamento divulgado recentemente pelo Instituto Ethos demonstrou que, entre 2001 e 2007, dobrou o número de negros nos cargos de gerência das 500 maiores empresas do Brasil. Provavelmente, no futuro próximo alguns desses profissionais vão assumir os altos escalões. Segundo o Ethos, o avanço dos negros na hierarquia empresarial fez aumentar sua presença no topo das corporações, em cargos de presidência, vice-presidência e diretoria-executiva. O índice atual, de 3,5%, ainda é muito baixo, mas a tendência de alta revela que há uma transformação em curso. Para alguns especialistas, a eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos terá um efeito significativo nesse processo. Obama será uma espécie de propagador da eficiência dos negros, um símbolo do espaço que podem -- e devem - ocupar na sociedade. "Trata-se de um fator positivo não apenas para a sociedade americana", diz a consultora Dinor de Oliveira, especialista em cultura empresarial. "O presidente Obama é um exemplo de que a cor da pele não é parâmetro para definir a competência das pessoas."
A trajetória profissional do superintendente do HSBC confirma que vivemos novos tempos. Há alguns anos, quando trabalhava em outro banco de primeira linha, ele sentiu a força do preconceito. Durante uma reunião de diretoria, foi interpelado por um colega que não aceitava o fato de Dias ter conseguido fechar um contrato milionário com uma grande empresa. O negócio renderia prestígio e o colega branco insistia na tese de que Dias deveria passar o contrato para ele. No auge da discussão, o sujeito fez referências grosseiras à cor da sua pele. "O mundo veio abaixo", recorda Dias. Felizmente, ele recebeu o apoio dos demais colegas, que sugeriram que entrasse com um processo judicial por racismo. Dias, porém, optou pela conciliação. "Sabia que se tratava de uma atitude isolada e que não era compartilhada pela alta cúpula da instituição", afirma. Hoje, ele acredita que manifestações racistas como a de seu ex-colega são cada vez mais raras no mundo corporativo.

Nelson Narciso, diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Formado em engenharia, ele encontrou nas corporações nas quais atuou um ambiente propício para crescer

Para alguns especialistas, a diversidade de raça no ambiente de trabalho é um fenômeno verificado principalmente em corporações multinacionais. No mundo globalizado, as empresas tiveram de aprender a lidar com diferentes culturas, o que pressupõe a convivência com pessoas das mais diferentes origens. Gigantes transnacionais são hoje em dia exemplos acabados de uma sociedade cada vez mais multifacetada. A PepsiCo é presidida por uma indiana. Na Xerox, o cargo mais alto é ocupado por uma negra, mesma cor da pele do todo-poderoso da American Express. As empresas globais não só expurgaram o preconceito como passaram a estimular a diversidade no ambiente de trabalho. Na americana IBM foi criada uma comissão de funcionários apenas para discutir a questão. Na subsidiária brasileira da empresa quem comanda o Grupo de Diversidade de Afrodescendentes é Osvaldo Luís do Nascimento, diretor de recursos humanos da filial. Engenheiro de formação, ele construiu uma trajetória de sucesso na IBM. Assumiu postos de destaque no Brasil e nos Estados Unidos e diz nunca ter sido vítima de nenhum tipo de discriminação. Nascimento acha que há muito por fazer. Segundo ele, um dos grandes desafios do mundo corporativo moderno é oferecer oportunidades iguais para todos.

"Sempre me incomodou o fato de existirem poucos negros em papéis de destaque", diz. Apesar da melhora dos indicadores, o negro ainda está em posição de desvantagem na sociedade brasileira. Segundo o Relatório Anual das Desiguadades Raciais no Brasil; 2007-2008, 67% dos 14,4 milhões de analfabetos do País se declaram negros ou pardos. Do total de 5,8 milhões de estudantes matriculados no ensino superior, apenas 1,7 milhão são negros ou pardos. Mesmo quando a barreira educacional é superada, a desigualdade salarial permanece. O estudo da UFRJ demonstra que, em 2006, o rendimento médio real dos homens não negros era de R$ 1.164 por mês, enquanto os negros e pardos recebiam R$ 586,26. Um abismo ainda maior é observado entre as mulheres negras ou pardas cujo salário médio é 200% menor em relação ao dos homens brancos. "Os números mostram que o acesso do negro à educação e ao mercado de trabalho ainda se dá em condições extremamente desvantajosas", afirma Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, a promoção da igualdade racial no meio corporativo é um objetivo a ser perseguido, especialmente nas empresas de capital nacional. "A questão da diversidade ainda não entrou na agenda de entidades empresariais como a Federação das Indústrias de São Paulo e a Confederação Nacional da Indústria", diz Paixão.


Edna Cruz, gerente de marketing da TAM, não concluiu o curso de administração. Compensou essa deficiência com cursos realizados na própria empresa e hoje comanda uma equipe de sete pessoas


"Os tímidos avanços vividos nesse campo foram fruto de atitudes isoladas ou imposições legais", pondera Mário Lisboa Theodoro, economista e diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.Muitos dos profissionais que conseguiram ultrapassar os limites impostos pela sociedade aprenderam a se blindar de atitudes que pudessem prejudicar seu desenvolvimento. Diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o engenheiro Nelson Narciso é considerado um dos maiores especialistas do País na área petrolífera. Fez carreira na filial brasileira da sueco-suíça Asia Brown Boveri (ABB), onde comandou a divisão de petróleo e gás. Seu último desafio na iniciativa privada foi a implantação e o comando da subsidiária da ABB em Angola. Narciso tem uma trajetória corporativa pautada pela constante vigília. Como começou a liderar equipes desde que ingressou na faculdade, aos 20 anos de idade, aprendeu a se impor em ambientes hostis. "Sempre me posicionei de uma maneira assertiva, deixando claro que não aceitaria nenhuma brincadeira de conotação racista", conta.

Algumas empresas têm estratégias notáveis de inclusão. Gerente de marketing da TAM, Edna Cruz responde por uma área vital da companhia, como a definição do cardápio de refeições, do entretenimento e das compras a bordo - serviços que fisgam o cliente mais do que qualquer outra coisa. Egressa do mundo da moda, Edna sempre usou a facilidade de lidar com o público e a capacidade de trabalhar em equipe como armas para pavimentar seu caminho. "Consegui crescer porque tive a oportunidade de mostrar meu talento", diz. A TAM ofereceu mais do que uma chance profissional. Edna virou garota-propaganda da empresa. Seu largo e lindo sorriso já estampou outdoors e rendeu uma aparição em recente campanha de televisão. É uma mudança e tanto. Se até pouco tempo atrás o preconceito era a regra no País, hoje em dia rostos negros como o de Edna são exibidos com orgulho por uma companhia de sucesso como a TAM.
O Brasil possui 14,4 milhões de analfabetos. Desse total, 67,4% deles se declaram negros ou pardos
Fonte: Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2007-2008/UFRJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.