Retirado do site Tribuna do Brasil.
05/12/2009
Preconceito contra os negros
Ed Alves
Gisele Diniz
No início do ano, Luan da Rocha Sousa, 20 anos, voltava de uma partida de basquete com amigos quando foi abordado por dois policiais do Batalhão Escolar e levado para a 17º Delegacia de Polícia, de Taguatinga. Após ser espancado e obrigado a assinar uma confissão, ele descobriu ser suspeito de tentativa de assalto à mão armada contra um casal. As únicas semelhanças do jovem, ajudante de pedreiro, com o verdadeiro autor da ação, eram o fato de que ambos usavam bonés parecidos na noite do crime e a cor negra da pele. O jovem ficou preso por três meses.Segundo o coordenador de Assuntos de Igualdade Racial do Distrito Federal, João Batista, cenas assim acontecem todos os dias motivadas por preconceito. “Os negros são vistos sempre como primeiros suspeitos em ações criminosas, mesmo que não tenham nada a ver com a história”, comentou. Para ele, a culpa é do Estado, que se omite na conscientização da sociedade quando às diferenças. “O negro já entendeu o seu valor, mas se o irmão que está ao lado não entender, a conscientização racial não vale nada”, disse.Foi por esse motivo que o porteiro Hebert Pereira dos Santos, 41 anos, prestou uma queixa na delegacia da Estrutural contra um vizinho. Após prestar socorro a uma amiga, que era extorquida pelo namorado, Hebert foi xingado e ameaçado de morte. “Quando ele me viu em um orelhão, em frente ao meu trabalho, começou a me chamar de negro safado, nojento e macaco”, contou. O fato marcante da história para o porteiro foi a última declaração do agressor antes de sair e jurar voltar armado. “Ele disse que nada aconteceria, já que ele tem “as costas quentes”. O problema é que ninguém está nem aí para isso”, reclamou. O presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF (CDDN/DF), Júlio Romário da Silva, concorda. Segundo ele, a própria legislação tem mecanismos que desarticulam o processo penal contra quem comete crimes de racismo. Contudo, o presidente do CDDN/DF lembra que a falta ação dos que se sentem injuriados prejudica a ação do Estado. “Muita gente não denuncia, nem nos procura. Quando o fazem, os delegados ou agentes os desestimulam”, declarou. No caso de Luan, houve quem olhasse por ele. A mãe, Maria Sousa, 42 anos, enfrentou delegados, promotores e juízes para provar a inocência do filho, mas não foi fácil. “Entrei nas bocas de fumo e conheci bandido que não foi brincadeira. De assassino para baixo. Hoje, confio mais neles que nos policiais que pago com meus impostos”, afirmou. “Se ele fosse branquinho de olhos azuis nada disso teria acontecido.”
Situação na capital federal não é diferente
No Distrito Federal a situação não é diferente. Na capital federal, os negros correspondem a 60% da população economicamente ativa. Conforme estudo do pesquisador Marcel Sant’Anna, eles vivem principalmente na Estrutural, Brazlândia e Recanto das Emas, onde a renda per capta da população é menor. Na taxa de desemprego eles também são maioria (65,1%). Para os que estão à procura de uma ocupação, o tempo de espera por uma oportunidade é de quatro semanas a mais do que para os de pele clara (65 para 61). As principais vagas abertas nos últimos quatro anos para eles foram na indústria, construção civil e serviços. O rendimento dos afrodescendentes simboliza 63,6% do que ganham os brancos, apesar de trabalharem uma hora a mais. O preconceito também existe dentro das escolas. Pesquisa coordenada pela socióloga Miriam Abramovay aponta que 2,1% dos alunos de 84 escolas públicas do DF alegaram não gostar de ter colegas negros nas salas de aula. Entre os professores o número é ainda maior: 2,5% deles não gostariam de dar aulas para pessoas de pele escura. Outro dado colhido revela que 55,7% dos estudantes e 41,2% dos professores dizem saber que existe preconceito racial nas instituições educacionais. Um reflexo disso é que apenas 13,3% dos alunos e 10,8% dos professores se declaram negros.Nas universidades, a cor da pele passou a ser determinante. Segundo o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), da UnB, há cinco anos, quando o sistema de cotas ainda não havia sido reconhecido na instituição, apenas 3% dos alunos eram negros. Hoje, eles chagaram a cerca de 2 mil e já somam 11% da comunidade estudantil da UnB. “O sistema foi algo decidido em comum acordo por toda a universidade. Tenho confiança de que vamos melhorar muito”, comentou.
MUDANÇAS À VISTA
Até 2008, os afrodescedentes do DF eram representados apenas pelo Conselho de Defesa dos Direitos dos Negros. A instituição fiscaliza o tratamento que a etinia negra recebe em todas as instâncias. No ano passado, essa defesa foi reforçada com a Coordenação para Assuntos de Igualdade Racial, a primeira instituição constituída para criar políticas públicas para negros. Uma das ações foi a aprovação da lei que estabelece o estudo da história africana e indígena nas escolas públicas. “O preconceito existe e é latente. A culpa é do Estado, que não educa. Temos um longo trabalho de conscientização a ser feito”, disse o coordenador de Assuntos de Igualdade Racial, João Batista. Este ano, as instituições do DF já apresentaram diversos trabalhos fruto dessa educação direcionada, como no dia 20 de novembro, quando foi homenageado Zumbi dos Palmares, líder dos escravos há 120 anos.
Discriminação no trabalho
Estudos de todos os tipos mostram que apesar de ter havido avanços nessa área os negros ainda são vítimas de uma sociedade desigual, inclusive no que diz respeito às ações do Estado. Pesquisa feita em 2008 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima que a comunidade afrodescendente chegaria à maioria da população brasileira, em 2010. Até a data da pesquisa, os negros somavam 49% do contingente do país. Apesar disso, no que diz respeito ao mercado de trabalho, eles continuam a ser minoria. O índice de desocupação entre os negros é de 9,3%, contra 7,5% entre os brancos. Aqueles que estão inseridos no mercado desempenham atividades de menor remuneração. A maioria deles trabalha no ramo da agricultura (60,3%), construção civil (57,9%) e serviços domésticos (59,1%), e ganham 53% menos do que os brancos. Conforme o estudo, essa diferença só será compensada daqui a 32 anos.
MODELO
Quem sente na pele essa diferença é a modelo Geórgia Ribeiro Assis, 28 anos. Segundo ela, se no mundo onde há profissionalização escolar os negros têm dificuldades em se inserir, na moda, o preconceito é ainda mais latente. “Existe uma cota para negros nas passarelas também. Já fiz um desfile em que havia 13 modelos. Só eu era negra”, revelou. A rotina de Geórgia também é cheia de olhares. Segundo ela, até a companhia do afrodescendente é vigiada. “As pessoas não gostam nem de ver um casal em que um é branco e o outro não”, comentou.O acesso aos estudos também é inferior entre os negros. De acordo com o Ipea, até 2007,13% da população de pele escura eram analfabetos. Nos brancos esses números era de apenas 6,3%. A quantidade de anos dentro das salas de aula varia de 6 para negros e 8 para brancos. Ainda assim, a entrada nas universidades teve avanços. Conforme o estudo, o número de vagas em instituições públicas para alunos com esse perfil passou de 18% para 31,5%, entre 1998 e 2007. Nas particulares, a variação foi de 26,2% para 29,5%.
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.