sábado, 24 de abril de 2010

LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL E A TRANSPARÊNCIA GOVERNAMENTAL

22/04/2010
por Manuella Maia Ribeiro*
(versão do artigo em pdf)

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada, dia 13 de abril, o projeto de lei nº 5.228, conhecido como Lei de Acesso à Informação Pública, que regulamentará o acesso às informações governamentais conforme previsto na Constituição. Esta lei vai disponibilizar os procedimentos para os que entes federativos (União, Estados e municípios), os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entidades que utilizem o dinheiro público em suas atividades garantam o direito às informações governamentais.

A lei também apresenta as sanções e as formas de recursos garantidas aos cidadãos caso não consigam acesso a esses dados. Além disso, define o grau de sigilo dos documentos públicos e o período do sigilo das informações contidas neles de acordo com esse grau.

Apesar de ainda depender da aprovação no Senado para sua entrada em vigor, o Brasil passará a fazer parte de um grupo de países que adotam leis de transparência para garantir a publicidade e o acesso às informações públicas. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a liberdade de informação lançado ano passado, principalmente, nas últimas duas décadas, vem expandindo o número de países com leis de acesso à informação pública.

Atualmente, mais de 80 países no mundo já regulamentam o acesso aos dados governamentais, como EUA, México, Bulgária, Uganda, Peru e Japão. Na América Latina, o Brasil era um dos poucos países que ainda não tinham legislação específica, mesmo sendo garantida a transparência desde 1988.


Na criação da lei brasileira cabe ressaltar dois aspectos: ela foi apresentada pela Casa Civil em maio de 2009, sendo apensada a um projeto de lei já existente na Câmara dos Deputados desde 2003 e foi criada em colaboração com o Fórum de Direito de Acesso às Informações Públicas que reúne mais de 20 entidades do país, entre elas, ABONG e IBASE. O Fórum também foi responsável por pressionar o Congresso para a aprovação dessa lei.

Em um primeiro momento pode-se comemorar, mesmo que tardiamente em relação a outros países, a criação de uma lei que interrompe um ciclo de opacidade da gestão pública brasileira, pois, ao mesmo tempo em que o direito à informação governamental era garantido, as regras do jogo para o acesso a esses dados não eram tão claras.
Esse é o primeiro impacto dessa nova legislação: permitir que as informações públicas sejam acessadas por qualquer interessado e haja uma efetiva resposta do Poder Público sobre as suas atividades, incluindo prazos para a resposta aos cidadãos e formas de recurso definidas na lei.

Além disso, a Lei de Acesso à Informação Pública exige uma prestação positiva dos governos, ou seja, impõe o dever de divulgar seus dados, independente do pedido expresso de qualquer cidadão ou entidade. Entre os dados exigidos estão a prestação das contas públicas e dos dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades. Há uma obrigação desses entes públicos não apenas de divulgar essas informações, mas também disponibilizá-las de modo que sejam facilmente acessadas, compreendidas, atualizadas, íntegras e autênticas.

A divulgação dos dados se torna uma questão central não só para os cidadãos, mas também para as entidades que estudam ou controlam a administração pública. Os dados governamentais, preferencialmente primários, que são disponibilizados integralmente servem de base para estatísticas, análises e controle sobre as atividades dos órgãos públicos realizadas principalmente por grupos de pesquisa e ONGs brasileiras.

Um dos que acreditam nas mudanças positivas da Lei de Acesso à Informação Pública para os grupos que analisam o governo é César Zucco, professor de Ciência Política em Princeton e um dos fundadores do site Congresso Aberto. Ele espera que a lei de transparência facilite o acesso aos dados sobre o comportamento dos deputados brasileiros economizando o trabalho de busca e utilizando esse tempo para fazer mais análises sobre a política no Congresso Nacional.

A abrangência da lei, que envolve todos os níveis de governo, instâncias de poder e entidades que recebam dinheiro público, também foi comemorada por defensores dessa lei. Assim, a lei brasileira passa a ser considerada uma das mais completas do mundo em termos de divulgação de informações públicas e isso impacta diretamente na prestação de contas e no controle social.

O sigilo também foi retratado, definindo-se que qualquer documento considerado sigiloso por motivos de segurança nacional será disponibilizado em domínio público em no máximo 25 anos, de acordo com o grau de sigilo do documento público. Isso significa que nenhum dado público possuirá o “sigilo eterno” como já ocorreu no passado.


Outro impacto da lei de transparência brasileira é que ela enfatiza as novas tecnologias da informação e comunicação, em especial a internet, incentivando e obrigando os entes públicos a disponibilizarem as informações na rede mundial de computadores. A internet passa a ser considerado um meio de fácil acesso e com possibilidades de atingir um grande número de pessoas.






Grupos como o THackday, que discute a transparência dos dados governamentais na internet, comemoram o fato de a lei também definir os princípios do governo aberto para a divulgação das informações públicas.






A ideia de governo aberto compreende que os dados públicos devem ser divulgados o mais desagregado possível e em diferentes formatos, ou seja, a divulgação dos dados crus e que sejam possíveis de serem vistos em qualquer tipo de máquina para que qualquer pessoa faça o uso que desejar desses dados.






Apesar de os benefícios que a Lei de Acesso às Informações Públicas pode trazer, ainda existem algumas limitações. A primeira é a desigualdade entre os entes públicos no país tanto na existência das próprias informações públicas organizadas como na incapacidade de cumprir as exigências da nova lei. É necessário os órgãos públicos estarem preparados para disponibilizar seus dados e compreendê-los para garantir que a sociedade tenha acesso às suas informações. A prestação positiva exigirá um esforço dos governos para organizar e divulgar todos os seus dados.






Também há uma crítica quanto ao recurso de documentos negados ao acesso público seja realizado por um órgão governamental, no caso do Governo Federal pela Controladoria-Geral da União, e não por um órgão autônomo como ocorre no México, por exemplo. Isso traria menor isenção às decisões da publicidade de atos do governo.






Por último, a lei exige que as informações tenham linguagem fácil, acessível e atualizada. Cabe fiscalizar se esses requisitos vão ser cumpridos. A partir do entendimento por parte da administração pública que a informação é um direito do cidadão, a busca por uma maior transparência deve ser feita da maneira mais abrangente possível.






Isso significa que a informação não deve ser divulgada de qualquer modo no Portal do Poder Público como falsa demonstração de transparência. Os dados devem estar disponíveis, localizáveis e sujeitos a questionamento a qualquer momento por todos os interessados.






Ainda há desafios a serem superados pelos entes públicos brasileiros para garantir o efetivo acesso aos dados governamentais. Entretanto, o primeiro passo foi dado por meio da regulamentação dos procedimentos para a transparência pública.






A existência de informações governamentais facilmente acessadas por toda a sociedade também pode ser um primeiro passo para o aumento do controle social e a participação cidadã, pois se a divulgação dos dados não garante por si só o efetivo controle e a participação, ela é essencial para que eles ocorram em um segundo estágio. Não há como controlar, pesquisar ou participar sem conhecer o governo e as suas atividades.


Finalmente, o principal impacto da Lei de Acesso à Informação Pública no Brasil é garantir que a regra seja a publicidade dos atos governamentais e o sigilo seja exceção e que não ocorra a relação inversa como já houve em outros períodos de nossa história.

* Manuella Ribeiro Maia é gestora de políticas públicas pela EACH-USP, pesquisadora da rede LogoLink/Pólis e mestranda em Administração Pública pela FGV.


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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.