quarta-feira, 2 de junho de 2010

"INTERNET TORNOU-SE UM MEIO SUBVERSIVO"

Retirado do Observatorio da Imprensa.
ENTREVISTA / MOGENS SCHMIDT
Por José Meirelles Passos em 1/6/2010
Reproduzido de O Globo, 29/5/2010

O acesso mais amplo das pessoas aos meios de comunicação, em especial a utilização da internet – como contraponto à mídia tradicional – é um dos aspectos abordados no III Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, com especial atenção à chamada "alfabetização midiática" proposta pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

"A internet tornou-se, em certo sentido, um meio muito subversivo, porque é muito difícil de controlar. E é preciso ensinar as pessoas a utilizá-lo de forma responsável", disse, em entrevista ao Globo, o dinamarquês Mogens Schmidt, vice-diretor-geral-adjunto para Comunicação da Unesco, ao revelar detalhes daquele programa.

O que vem a ser essa iniciativa da Unesco denominada como "alfabetização midiática"?Mogens Schmidt – É uma maneira de dar às pessoas o poder de, elas mesmas, utilizarem a mídia, para se expressar e, assim, participar mais da sociedade. Mas, também, fazer isso de uma forma que possam refletir, criticamente, sobre o que a mídia tradicional traz para elas e, também, decodificar o que acontece nos meios de comunicação.

E como, na prática, essa iniciativa é aplicada? Quem é o alvo central dela?
M.S. – Há três níveis de alcance. Um deles engloba crianças de 9 a 15 anos. Desenvolvemos um currículo e uma "caixa de ferramentas" para ajudar professores a treinar as crianças. Outro diz respeito aos próprios profissionais de imprensa, fazendo-os pensar mais seriamente sobre a sua responsabilidade. E o terceiro é formado por proprietários de meios de comunicação e de publishers, buscando fazer com que também repensem a sua atividade.

Isso, obviamente, tem a ver com o papel cada dia mais influente da internet, não?
M.S. – Claro. Esse novo meio, a internet, tornou-se em certo sentido um meio muito subversivo, porque é muito difícil de controlar. E é preciso ensinar as pessoas a utilizá-lo de forma responsável. Elas, afinal, agora podem agir facilmente através da nova mídia social que está ao seu dispor em muitos países. E fazer isso juntas, virtualmente, além de fisicamente. Podem se unir através das fronteiras de uma forma bem mais fácil, do que há 40 anos, quando eu era jovem. Trata-se de um potencial completamente diferente para unir as pessoas, de forma que as suas vozes sejam ouvidas.

O objetivo da Unesco é o de incentivar a criação de novos meios, populares, que sirvam de contraponto à mídia tradicional?
M.S. – O esquema funciona assim: você ensina as pessoas a desenvolverem meios de comunicação: criar um jornal, um website e, a partir disso, discutir tal iniciativa. Ou seja: colocando a mão na massa, elas passarão naturalmente a perguntar "por que fiz tal coisa?, por que disse ou escrevi tal coisa?, por que usei tal informação?, qual a lógica por trás de uma determinada escolha? Fiz a coisa certa ou não? Cedi a algum tipo de influência, de pressão? Por quê?". Dessa forma, as pessoas passarão a saber julgar melhor a mídia. É, portanto, uma alfabetização midiática.

E quanto aos profissionais do ramo? Qual o objetivo dessa iniciativa da Unesco?
M.S. – Estamos trabalhando com várias organizações de jornalistas profissionais, em todo o mundo, com relação a padrões profissionais, desenvolvendo manuais de redação, sistemas de transparência e responsabilidade. Tudo isso baseado em autorregulação. O objetivo é dialogar sobre o que, afinal, é bom jornalismo, quais são os bons padrões éticos profissionais. Precisamos refletir mais sobre o que estamos fazendo, como jornalistas.

O senhor crê que a categoria deixou de levar em conta tais cuidados?
M.S. – Muitas vezes, sim. Tanto que a própria Federação Internacional de Jornalistas criou a Iniciativa do Jornalista Ético, como uma ferramenta que pode ajudar os profissionais a se defenderem das críticas que têm sido feitas à mídia ultimamente, como a acusação de que ela agora só se preocupa com entretenimento, que o jornalismo crítico desapareceu, que o jornalismo investigativo já não está fazendo mais o que devia.

O senhor mencionou, no início, que publishers e proprietários de meios também devem receber uma educação midiática, ou seria uma reeducação?
M.S. – O que estamos fazer é com que repórteres, editores e donos de jornais se sentem para refletir e tentar redefinir algumas virtudes do jornalismo clássico e ver como elas poderão ser devolvidas à mídia, inseridas na agenda da mídia. Os proprietários também têm que levar em conta essas questões, sob o risco de que seus meios percam a credibilidade.

Por falar nisso, como lidar justamente com a questão da confiança, da credibilidade, numa época em que qualquer pessoa tem acesso à internet e, através dela, pode propagar informações falsas ou tendenciosas?
SCHMIDT: Ah, esse é o problema. E é isso que reforça a iniciativa da Unesco. Ao "alfabetizar" pessoas em relação à mídia, damos a elas a capacidade de distinguir entre o que é uma história tendenciosa, parcial, e uma confiável. Elas aprendem a decodificar a mídia. Por outro lado, ao trabalharmos também com os próprios jornalistas, o foco mais forte está na ética, de forma a que eles façam o seu trabalho de uma forma decente.

Como o senhor vê a liberdade expressão e, especificamente, de imprensa hoje?
M.S. – Ela cresceu muito, globalmente, embora ainda haja problemas. O Brasil está em situação muito boa, nesse sentido. E por isso, acho que tem o papel de influir para que toda a América do Sul o imite nessa área.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.