Brasília, 01/06/2010
Fabricação nacional ajudaria plano que oferece desde 1996 a mistura à rede pública, e que gasta 72% do orçamento com importações
Conheça o projeto
Saiba mais sobre o Projeto de Apoio ao Conhecimento, do PNUD, que está ligado ao estudo sobre produção de medicamentos genéricos contra a Aids.
O estudo na íntegra
Avaliação da produção de ARVs no Brasil
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MARCELO OSAKABE
da Primapagina
O Brasil conta com um programa que oferece, desde 1996, o coquetel anti-HIV para toda a rede pública de saúde. Dos 19 medicamentos que constituem a mistura hoje, o país produz oito, importando os 11 restantes. Porém, um estudo realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o PNUD conclui que a nação tem capacidade para produzir esses remédios e também seus insumos.
A medida pode diminuir sensivelmente os custos do Programa Nacional de DST e Aids, já que até 72% do orçamento da iniciativa - responsável pela oferta e distribuição do coquetel anti-HIV no país -, estimado em R$ 1 bilhão para 2010, é destinado à compra de fármacos importados.
O novo estudo, denominado Avaliação da produção de ARVs no Brasil, foi feito em 2005, mas revisado e publicado apenas neste ano. O relatório afirma que o país possui competência técnica e também infraestrutura de laboratórios públicos e privados adequada para a produção dos medicamentos. No entanto, para viabilizar essa meta, o governo teria de repensar um conjunto de políticas, ainda de acordo com o texto.
"Diferentemente das nações mais avançadas e de países como a China, a política de Ciência e Tecnologia voltada à produção de fármacos e medicamentos tem sido totalmente dissociada da política de saúde e da política de compras públicas", afirmam os autores do relatório.
Para os especialistas, "não faz sentido observar as possibilidades de produção interna de antirretrovirais (ARVs) sem uma compreensão dos processos de organização das diversas atividades que fazem parte do sistema como um todo."
Os entraves encontram-se, basicamente, em três pontos: a política de compras públicas; de inovação (especialmente a lei de patentes); e a timidez na utilização das licenças compulsórias. Esses empecilhos não afetam apenas os antirretrovirais (ARV), mas toda a capacidade da indústria farmacêutica nacional de produzir e inovar.
Isso é evidenciado na porcentagem destinada para pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. Enquanto as farmacêuticas de países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) destinam cerca de 10,03% de sua produção para o setor, no Brasil, essa porcentagem cai para 0,93% (dados de 2004).
Entraves
Ao contrário do que acontece em um mercado tradicional, no caso dos ARVs a oferta é toda feita pelo governo. Como único comprador, ele tem um grande poder de influência sobre o setor, poder esse que, segundo o estudo, é mal utilizado. Um exemplo são os medicamentos da chamada primeira linha, usados no início do tratamento anti-HIV. A maioria deles não está mais sobre a proteção de patentes, e, portanto, livres para serem fabricados no país.
Entretanto, como a política de compras públicas foca muito a questão do menor preço, ela acaba ignorando que "existe um potencial significativo de redução dos custos internos ao longo do tempo, se novas ações governamentais – visando a estimular a produção interna – forem desenhadas".
Outro exemplo está na compra de insumos. Muitos dos ARVs produzidos no Brasil são feitos com matéria-prima importada de países como China e Índia, que têm programas bem-sucedidos de genéricos. Entretanto, como os laboratórios de lá não seguem as normas de qualidade de Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há casos em que a indústria brasileira é obrigada a reprocessar o insumo, elevando seu custo de produção.
O entrave representado pela política de compras públicas é agravado pela lei de patentes (LPI). Primeiro porque, espelhada no código norte-americano de patente, que incentiva a busca por produtos comercialmente rentáveis, a legislação brasileira não se adequa à realidade do país, pois relega as necessidades de consumidores marginalizados, afirma o estudo do Ministério da Saúde com o PNUD.
Segundo, porque incorre em outros problemas que aumentam o número de patentes desnecessárias, como no caso de novas utilizações de um mesmo produto (o que prolonga o tempo de proteção da formula), chegando ao ponto de proteger casos proibidos pela Constituição, como o isolamento, extração e produção de células-tronco (ferindo o parágrafo 4 do art. 199).
A "superproteção" concedida a esses medicamentos desestimula a formação de concorrência, ao inibir que novos produtores surjam. Ela também prejudica a política de inovação, ao ignorar que o marco regulatório de proteção deve servir de estímulo à área de pesquisa e desenvolvimento, sem se tornar apenas um fim em si mesmo.
A questão é relevante para o caso dos ARVs, pois "levando-se em consideração o desenvolvimento de resistência do HIV aos medicamentos correntemente empregados no coquetel, é inadiável o desenvolvimento da capacidade de inovação brasileira no setor farmacêutico", acrescenta o relatório.
Licenciamento compulsório
Os autores do estudo também apontam para uma "subutilização" do licenciamento compulsório, conhecido como quebra de patente. Ao contrário do que se imagina, a prática não significa uma usurpação de propriedade da empresa, mas sim uma autorização para que terceiros produzam o medicamento (antes monopólio do detentor da patente), mediante o pagamento de uma "remuneração justa" definida pelo governo com base nos preços do mercado internacional e no poder econômico do consumidor local.
A licença compulsória é um mecanismo previsto na LPI com base no acordo Trips (sobre comércio e propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio). A regra pode ser usada caso ocorra o abuso do poder econômico por meio de patentes e/ou um interesse público sobre o produto.
A reclamação tem motivo. Além do oferecimento do coquetel anti-HIV ser uma política pública, o governo brasileiro detectou, em pesquisa feita em países com economia e Produto Interno Bruto (PIB) per capita parecidos, como a Tailândia, que o preço cobrado pelos remédios era menor do que o praticado aqui, evidenciando que as farmacêuticas conseguiam uma margem de lucro maior no mercado brasileiro.
Embora seja um tema conhecido desde meados da década de 1990, o licenciamento compulsório virou realidade pela primeira vez apenas em 2007, quando o governo brasileiro licenciou o Efavirenz. Em outros casos, o Ministério da Saúde usou a licença como alerta às multinacionais farmacêuticas, que acabaram reduzindo sua margem de lucro (em até 50%, como é o caso do Kaletra. Excluindo o Efavirenz, todos os outros ARVs produzidos internamente são livres de patente.
"Uma ampla proteção da propriedade intelectual não é a melhor opção para países em desenvolvimento, especialmente se o avanço industrial e a proteção da saúde pública são parte importante de suas políticas públicas", afirmam os pesquisadores. "Enquanto o Brasil perde oportunidades, o Canadá e a Índia as utilizam em benefício do desenvolvimento de sua indústria e em prol de populações vitimadas pelo HIV/Aids", concluem.
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.