Andréa Wellbaumm
O ativista negro Abdias do Nascimento, de 90 anos, que será premiado pela sua luta contra o racismo, disse que os negros no Haiti estão numa situação melhor do que no Brasil.
"No sentido material, o negro haitiano está pior, mas, no sentido de sua soberania, de sua liberdade total, ele está melhor do que nós", disse o fundador do Teatro Experimental do Negro.
"Lá eles têm um país deles. E nós vivemos um país para os outros. Até hoje estamos sendo colonizados, dirigidos. Nós não temos autodeterminaçã o, não temos nada."
O ativista recebe nesta sexta-feira a homenagem internacional Toussaint Louverture Prize, que celebra as contribuições realizadas na luta contra a dominação, o racismo e a intolerância.
O prêmio, concedido pela Unesco, faz parte dos eventos realizados até o dia 5 de dezembro para comemorar o Dia Internacional da Abolição da Escravatura (2 de dezembro), além de marcar o encerramento do ano internacional de comemoração da luta contra a escravidão e de sua abolição.
O ano de 2004 também marca o bicentenário da independência do Haiti, que virou um símbolo do levante e da resistência contra a escravidão.
"No Brasil, lutamos por um povo que há mais de 500 anos vem sendo colonizado e, por outro lado, estamos celebrando a descolonização do povo haitiano, que conseguiu sua independência há 200 anos."
'Milagre dos orixás'
Criado em 1944 no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro organiza atividades culturais, educacionais e políticas para, segundo Nascimento, "resgatar a dignidade do negro e sua identidade total".
"Queremos o reconhecimento de que ele tem valores africanos, que ele tem o direito de viver a sua vida de acordo com a sua ótica. Não como a sociedade branca quer."
Segundo Abdias, é um "milagre dos orixás" o movimento ter sobrevivido esses 60 anos, já que não houve nenhuma ajuda por parte de fundações ou do governo durante todo esse tempo.
É por isso que ele se disse surpreso com a notícia de que ganharia um prêmio por seus esforços à frente do Teatro Experimental do Negro. "Foi uma grande surpresa para mim, porque nós sempre fomos abandonados, sobretudo no plano internacional. Os órgãos internacionais nunca olharam a nossa questão."
'Falta tudo'
Na opinião de Abdias, o prêmio reconhece que algo precisa ser feito no Brasil, já que, segundo ele, pouco mudou nesses 500 anos para o negro. A igualdade ainda estaria longe de ser conquistada.
"Falta tudo para o negro conseguir a igualdade prevista pela democracia. Onde está o povo negro? Só nos morros, só nessas embrulhadas policiais, porque ele não tem nada. Não tem emprego, não tem moradia, não tem apoio efetivo na sua saúde, não tem uma educação igual à dos brancos."
Segundo Abdias do Nascimento, há alguns anos, a Unesco demonstrou vontade de ajudar o movimento coordenado por ele, mas faltou vontade política do governo brasileiro. "A Unesco exigia que o governo fosse o canal de intermediação para se conseguir o auxílio, mas o governo se negou a ser esse canal."
"O governo brasileiro nunca quis reconhecer que no Brasil existe um problema do branco a respeito do negro."
Porém, na opinião do ativista, essa situação está mudando, o que pode ser percebido com a criação da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que tem status de ministério.
"A ministra (Matilde Ribeiro) é uma negra, que está se esforçando muito, mas ainda não sobrou nada para o movimento. Porque, para um assunto dessa envergadura, dessa delicadeza, em que se precisa mudar muita coisa psicologicamente, isso demora."
Publicado em 03 de dezembro de 2004 no BBC Brasil.com
O ativista negro Abdias do Nascimento, de 90 anos, que será premiado pela sua luta contra o racismo, disse que os negros no Haiti estão numa situação melhor do que no Brasil.
"No sentido material, o negro haitiano está pior, mas, no sentido de sua soberania, de sua liberdade total, ele está melhor do que nós", disse o fundador do Teatro Experimental do Negro.
"Lá eles têm um país deles. E nós vivemos um país para os outros. Até hoje estamos sendo colonizados, dirigidos. Nós não temos autodeterminaçã o, não temos nada."
O ativista recebe nesta sexta-feira a homenagem internacional Toussaint Louverture Prize, que celebra as contribuições realizadas na luta contra a dominação, o racismo e a intolerância.
O prêmio, concedido pela Unesco, faz parte dos eventos realizados até o dia 5 de dezembro para comemorar o Dia Internacional da Abolição da Escravatura (2 de dezembro), além de marcar o encerramento do ano internacional de comemoração da luta contra a escravidão e de sua abolição.
O ano de 2004 também marca o bicentenário da independência do Haiti, que virou um símbolo do levante e da resistência contra a escravidão.
"No Brasil, lutamos por um povo que há mais de 500 anos vem sendo colonizado e, por outro lado, estamos celebrando a descolonização do povo haitiano, que conseguiu sua independência há 200 anos."
'Milagre dos orixás'
Criado em 1944 no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro organiza atividades culturais, educacionais e políticas para, segundo Nascimento, "resgatar a dignidade do negro e sua identidade total".
"Queremos o reconhecimento de que ele tem valores africanos, que ele tem o direito de viver a sua vida de acordo com a sua ótica. Não como a sociedade branca quer."
Segundo Abdias, é um "milagre dos orixás" o movimento ter sobrevivido esses 60 anos, já que não houve nenhuma ajuda por parte de fundações ou do governo durante todo esse tempo.
É por isso que ele se disse surpreso com a notícia de que ganharia um prêmio por seus esforços à frente do Teatro Experimental do Negro. "Foi uma grande surpresa para mim, porque nós sempre fomos abandonados, sobretudo no plano internacional. Os órgãos internacionais nunca olharam a nossa questão."
'Falta tudo'
Na opinião de Abdias, o prêmio reconhece que algo precisa ser feito no Brasil, já que, segundo ele, pouco mudou nesses 500 anos para o negro. A igualdade ainda estaria longe de ser conquistada.
"Falta tudo para o negro conseguir a igualdade prevista pela democracia. Onde está o povo negro? Só nos morros, só nessas embrulhadas policiais, porque ele não tem nada. Não tem emprego, não tem moradia, não tem apoio efetivo na sua saúde, não tem uma educação igual à dos brancos."
Segundo Abdias do Nascimento, há alguns anos, a Unesco demonstrou vontade de ajudar o movimento coordenado por ele, mas faltou vontade política do governo brasileiro. "A Unesco exigia que o governo fosse o canal de intermediação para se conseguir o auxílio, mas o governo se negou a ser esse canal."
"O governo brasileiro nunca quis reconhecer que no Brasil existe um problema do branco a respeito do negro."
Porém, na opinião do ativista, essa situação está mudando, o que pode ser percebido com a criação da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que tem status de ministério.
"A ministra (Matilde Ribeiro) é uma negra, que está se esforçando muito, mas ainda não sobrou nada para o movimento. Porque, para um assunto dessa envergadura, dessa delicadeza, em que se precisa mudar muita coisa psicologicamente, isso demora."
Publicado em 03 de dezembro de 2004 no BBC Brasil.com
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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.