sábado, 9 de agosto de 2008

DIONY SOARES ENTREVSTA KABENGUELE MUNANGA NO V COPENE

Retirado do site do Jornal Irohin

NOTÍCIA
31/07/2008 - 22:44:28
Diony Soares entrevista Kabenguele Munanga no V Copene


Kabenguele Munanga faz reflexão sobre isolamento na academia Por Diony Soares* O doutor em Antropologia Kabenguele Munanga, da Universidade de São Paulo, foi o conferencista da quinta, 31, no V Copene. Na quarta, 30, Munanga foi o coordenador da mais disputada mesa redonda do congresso, Relações entre a Militância Negra e as Humanidades, que contou ainda com a participação do doutor em Sociologia Sales Augusto dos Santos, da Universidade de Brasília, e da doutora em Educação Nilma Lino Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais. Munanga concedeu entrevista exclusiva para o Ìrohìn.

D.S. – Um dos percalços de pesquisadores/as negros/as é o isolamento dentro da academia. Lembrando que o senhor é o único professor negro no Departamento de Antropologia da USP por mais de 30 anos, qual é a sua análise para o isolamento?
Kabenguele Munanga – O isolamento precisa ser relativizado. Depende de como nós entramos na universidade. Depende de como os pesquisadores negros entraram no mundo acadêmico. Alguns entraram porque foram orientados por pesquisadores brancos e tiveram certo apadrinhamento. Isso não tira os méritos destas pessoas. Se estes pesquisadores continuarem a trabalhar dentro da universidade nas linhas de pesquisas dos seus orientadores não ficam isolados. Mas eles perdem a autonomia de pensamento porque não querem entrar em contradição com o orientador que facilitou o seu acesso a universidade. Por exemplo, eu entrei na academia através de um professor que foi o meu orientador. Ele trabalhava sobre as questões raciais. No meu caso, eu criei a minha autonomia de pensamento. Eu publicava o que eu pensava, sem passar por ele. Neste sentido, num certo momento, eu criei um isolamento, no sentido de não dialogar com outros colegas que trabalham a dimensão racial, porque o nosso pensamento era diferente. Eu produzi conhecimento. Fiz a cabeça de muitos jovens que consultam os meus livros. Produzi conhecimento, embora trabalhando de uma maneira isolada para preservar a minha autonomia de pensamento. Mas existem pessoas que não estão isoladas e que trabalham com pesquisadores brancos que se integraram e criaram uma cultura para se sentirem à vontade. Nós ainda não temos poder na academia. Quem coordena os programas de pós-graduação? Não somos nós. Quem são os chefes de departamento? Não somos nós. Mas isso não impede a construção do conhecimento porque temos a liberdade de pensamento. Isso não interfere no conteúdo de minhas aulas.


D.S. – Sim, mas este espaço que o senhor conquistou tem muito a ver com a sua titulação e tempo na instituição. Como fica esta questão para as/os pesquisadoras/es que estão entrando agora na universidade?
Kabenguele Munanga – Uma pessoa que passou por um concurso público numa universidade federal passou por mérito. Esta pessoa não é obrigada a ficar presa. Pode ter liberdade de pensamento. No entanto, tem gente que, por várias razões, quer ficar presa mesmo. Há vantagem e desvantagens porque os projetos são aceitos pelos órgãos que financiam as pesquisas, “porque te conheço e sei que você é da panelinha do fulano e quando não é da panela do fulano... “

D.S. – Mas isso acontece com os brancos também.. .
Kabenguele Munanga – Acontece também, mas conosco acontece mais porque muitas vezes os nossos projetos são barrados. Os brancos estão no poder. Acontece conosco de uma maneira diferente. É como você falar em discriminação entre pobres. Os brancos são discriminados, mas os negros pobres são discriminados duplamente. A academia é racista também. D.S. – A doutora Sueli Carneiro considera que ainda não existe nem por parte da academia nem por parte de pesquisadores/as negros/as um estudo sistematizado sobre a violência urbana no Brasil. Qual a sua opinião a esse respeito? Kabenguele Munanga – De qual violência estamos falando? Da simbólica ou da física?

D.S. – Da violência física.
Kabenguele Munanga – Da violência física das nossas periferias? Essa violência que atinge todos os marginalizados, mas o negro de uma maneira diferente? Bom, em primeiro lugar a temática Violência é uma temática nova na academia. Não se pesquisava a violência na universidade brasileira. Somente recentemente se criou um núcleo de estudos da violência na Universidade de São Paulo. Não existia nada. Como os pesquisadores/as negros/as vão sistematizar alguma coisa se eles são muito poucos na academia e muito poucos que trabalham sobre os assuntos negros? Não dá para abraçar tudo.

D.S. – E porque somente agora a academia se interessa pela violência?
Kabenguele Munanga – Porque a questão social atingiu um ponto tal que até os brancos foram atingidos. Estamos pegando carona com eles. Porque a violência para nós começa deste o tráfico negreiro até agora. Quando acontece com os filhos da classe média de São Paulo eles se mobilizam. Essa violência acontece todos os dias na periferia e ninguém se mobiliza. Quando a Justiça prende banqueiros, se discute se pode estar algemado se o crime não foi confirmado. E a população que é sempre algemada a qualquer momento? Já falaram daqueles que são presos anos e anos e nem foram julgados? No Brasil, a Justiça é para quem paga por ela.

*Diony Soares é mestra em Educação

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.