terça-feira, 20 de janeiro de 2009

QUILOMBOLAS VENCEM RIXA COM AGÊNCIA ESPACIAL

Retirado do site do PNUD.

Reportagens
Alcântara, 12/01/2009

Área disputada há 26 anos com base de lançamento de foguetes em Alcântara ficará com os povos tradicionais por determinação do INCRA-->
MARIANA DESIDÉRIO

Uma disputa entre tradição secular e alta tecnologia terminou com vitória da primeira. As comunidades tradicionais quilombolas do município de Alcântara, no Maranhão, venceram uma querela judicial por terras travada com a AEB (Agência Espacial Brasileira) que, em 1983, instalou uma base de lançamento de foguetes na área. Os povos descendentes de quilombolas foram formados por escravos fugidos na época da escravidão e, de acordo com os moradores do local, instalados na região há mais de três séculos.
O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) publicou, em 4 de novembro de 2008, um documento que reconhece as comunidades e determina que 78,1 mil hectares da região pertencem aos descendentes de quilombolas por direito. Pela decisão, o
Centro de Lançamento de Alcântara da AEB fica com 9,3 mil hectares, dos 14 mil pretendidos pela agência. A resolução tem um prazo de 90 dias, a partir da data de publicação, para ser contestada.
Na década de 1980, cerca de 300 famílias descendentes de quilombolas foram retiradas do local onde viviam e instaladas em agrovilas próximas dali, para que o centro de lançamento pudesse ser instalado em 1983. Em 1991, a área destinada à base de lançamento chegou a ser de 62 mil hectares. Os 9 mil hectares que agora a AEB tem direito correspondem a um espaço já utilizado pela base de lançamento.
Hoje, vivem na região cerca de 15 mil descendentes de quilombolas em 106 comunidades, o que significa mais de 70% da população total de Alcântara. Já os 78 mil hectares demarcados correspondem a 52% do território da cidade, que é de 148.300 hectares, apenas 4 mil hectares menor do que o município de São Paulo. As principais atividades das comunidades são a agricultura familiar — principalmente o cultivo de feijão, mandioca e milho —, a pesca e o artesanato.
O presidente da AEB, Carlos Ganem, questiona a decisão do INCRA, afirmando que a área pretendida é apenas 5 mil hectares a mais que o determinado e que, em razão dessa diferença, talvez seja preciso instalar bases de lançamento em outros locais do país. “É o melhor lugar do planeta para lançar foguetes. Pela posição estratégica, exige menos combustível, e é próximo ao mar, evitando acidentes. Não utilizar isso é desprezar a oportunidade que temos em mãos. Um programa espacial é um programa de inclusão econômica e ambiental. É importante para a observação, a coleta de dados, a meteorologia, a prevenção de catástrofes como a de Santa Catarina , o controle do tráfego aéreo e a navegação”, defende Ganem.
Para o INCRA, a decisão garante que a agência não ampliará a área ocupada pelo centro de lançamento. “A vitória é que eles [a AEB] tinham um projeto bem maior do que isso, que causaria a necessidade de deslocamento de famílias. Com essa decisão, essa possibilidade não existe mais”, afirma a coordenadora geral de registro de territórios quilombolas do instituto, Givânia Maria da Silva.
Além da garantia do território, o subsecretário de políticas para comunidades tradicionais da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), Alexandro Reis, acrescenta que a demarcação “trará maior dignidade às comunidades e direito a crédito no sistema público ou privado”. “Eles não viverão mais sob a ameaça de que aquelas terras em viram seus filhos nascerem, nas quais viveram seus pais, nas quais eles plantaram, não são suas, vamos saldar uma dívida histórica do país com estas comunidades.”
As comunidades, segundo Reis, já têm acesso a serviços do governo nas áreas de educação (para reforma e construção de escolas), saúde (direcionados ao acesso a saneamento e água, além de atendimento médico básico) e desenvolvimento econômico. “Agora, a previsão é de instalar um centro de referência quilombola, que funcionaria como um polo que articula as políticas públicas dos quilombolas, junto com inclusão digital”, afirma.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.