sábado, 19 de janeiro de 2008

ENTREVISTA COM MARCELO PAIXÃO

Um retrato em branco e preto das desigualdades raciais
Jornal Folha Dirigida - 15/01/2008
Alessandra Moura Bizoni


Estudo revela o tamanho do abismo da formação escolar entre brancos e negros no Brasil, bem como alerta que a escola, os professores e os livros didáticos, como estão formatados hoje, mais reproduzem do que combatem a desigualdade e os preconceitos
O quarto capítulo do 1º Relatório das Desigualdades Raciais no Brasil revela o hiato entre os níveis de escolarização de brancos e negros no país. Embora os dados indiquem um período estimado de 17 anos para sanar as diferenças entre os anos de estudo dos dois grupos da população, o economista Marcelo Paixão salienta que os negros chegam a sofrer três vezes mais as mazelas do sistema educacional brasileiro.Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), Marcelo Paixão apresentou recentemente os dados relativos à educação. Mas, até o final de março, deve ser divulgado o 1º Relatório das Desigualdes Raciais no Brasil, que contempla aspectos como evolução demográfica, taxas de mortalidade, políticas públicas, acesso à escolaridade e ao mercado de trabalho, bens de uso coletivo (como água, esgoto) à mídia e à universidade.Além disso, em março, Marcelo Paixão lançará o livro "A dialética do bom aluno", no qual aponta caminhos para a transformação da escola e do espaço escolar. "A história dos negros nos livros didáticos termina com a abolição da escravidão. Ora, se havia escravos também havia os escravizadores. Essa relação deve estar presente nos livros, em suas duas polaridades. Nós somos o segundo maior país em população negra no mundo, perdendo apenas para a Nigéria. E não temos essa realidade retratada nos livros", argumenta o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao qual o Laeser pertence.

Sua pesquisa feita pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) do Instituto de Economia da UFRJ indica que restam, pelo menos, 17 anos para sanar o hiato entre os níveis de escolarização de brancos e negros no Brasil. Como o sr. avalia esse dado?
Marcelo Paixão - A escolaridade da população negra se coloca no cerne deste debate que remete a um pano de fundo histórico. No período escravista, era proibido que a população escrava tivesse acesso às letras. E quando pegamos dados, lá pelos idos de 1950, verificamos que quase 70% da população negra no Brasil era analfabeta. Isso significa que, 70 anos após a abolição da escravidão, sete em cada dez negros eram analfabetos. Na verdade, essas assimetrias de nível de escolaridade entre a população afrodescendente e a população branca se manteve por todo esse período. Sabemos que isso não é fruto do acaso, e sim do "descaso". E durante os últimos 20 anos, entre os anos 80 e início da década de 90, ainda encontramos uma persistente resistência nas assimetrias entre um grupo e outro, em relação aos anos de estudo. Ainda nessa década, entre 1980 e 2000, encontramos uma estabilidade muito grande. A distância fica na média de dois anos, quando se fala em anos de estudo da população com mais de 15 anos de idade.

E o que aconteceu mais recentemente, nesse período detalhado em sua pesquisa, que vai de 1995 a 2006?
Marcelo Paixão - Nesse intervalo, o indicador dos negros melhorou 1,9 anos e o dos brancos cresceu 1,6 anos. Ou seja, uma desigualdade que se mantinha na casa dos dois anos de escolaridade obedeceu a uma pequena redução de 0,3 anos. Ou seja, ao projetar esses dados em termos de média geométrica de um ou de outro, para um empatar com o outro, demoraria 17 anos. Se consideramos que o nível fundamental é de oito anos — embora o ensino fundamental com nove anos esteja plenamente implementado somente em 2010 —, ainda teríamos duas gerações aonde haveria a persistência de desigualdade. Não há nenhuma garantia de que, daqui para frente, os níveis de escolarização dos negros continuarão crescendo. Pode haver uma queda. Por isso, esse estudo aponta apenas o tamanho de um "gap". Esse estudo é muito mais um sinalizador de assimetrias do que um exercício de futurologia. Por outro lado, o estudo revela que já houve uma melhora de ambos os lados e que o "gap" entre os dois grupos encolheu. Mas esses dados ainda não são robustos para que se possa dizer que essas desigualdades estão sendo anuladas, com exceção de um ou outro indicador.

Para ler o restante da entrevista clique aqui.

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Muito axé e militância pessoal e obrigado pelos comentários.